As Crianças Invisíveis de Moçambique: Levar o registo de nascimento às comunidades isoladas
"Sem documentos, é como se o meu filho não existisse" - Manuel Caetano.
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Sofala, Moçambique - Manuel Caetano, 26 anos, retira um pedaço de papel branco dobrado de uma caixa de lata no chão da sua casa. Desdobra-o para revelar um documento precioso - a certidão de nascimento do seu filho de dois anos.
Nascido no campo de reassentamento de Bandua em 2021, Manuel Caetano Jr. não foi registado, não tinha documentos e foi efectivamente invisível para o governo durante os seus primeiros dois anos de vida. Sem prova legal de identidade, as crianças não são contadas e não têm acesso a serviços básicos. Oficialmente, elas não existem.
"Sem documentos, Manuel Jr. não pode inscrever-se na escola nem aceder ao centro de saúde. Sem documentos é como se o meu filho não existisse", diz Manuel.
Em Moçambique, apenas 49 por cento das crianças com menos de 5 anos têm uma certidão de nascimento. Poucos locais de registo, longas distâncias, altos custos de transporte e taxas de registo atrasadas são apenas algumas das barreiras que as pessoas enfrentam para registar os nascimentos.
Sem um documento oficial, as crianças não podem ser tratadas em hospitais, frequentar a escola ou inscrever-se em programas sociais. Além disso, a falta de uma certidão de nascimento pode tornar uma criança mais susceptível a uniões prematuras, ficar sem nacionalidade [apátrida] ou ao trabalho infantil.
Quando os documentos são perdidos ou danificados, pode ser difícil obter novos documentos. Em 2019, o ciclone Idai destruiu os documentos de muitas famílias. As consequências caóticas do ciclone criaram desafios adicionais ao registo de nascimento dos recém-nascidos.
O ciclone Idai, uma tempestade tropical de categoria 4, atingiu Moçambique a 14 de Março de 2019. Trouxe ventos que atingiram até 167 quilómetros por hora e inundações que deixaram regiões inteiras da província de Sofala debaixo de água. Manuel e a sua mulher tinham machambas (cultivavam terras) que se encontravam directamente no caminho do ciclone.
"Durante o ciclone, perdemos tudo", diz Manuel. "O ciclone surpreendeu-nos e não estávamos preparados para ele. A nossa casa ficou completamente destruída. Tudo o que havia em casa foi destruído ou perdido - comida, roupa, copos, pratos, documentos - tudo desapareceu. Até as mangas da nossa machamba desapareceram. Ficámos apenas com as roupas que tínhamos vestidas".
Desde então, Manuel e a sua família têm vivido no campo de reassentamento. Quando Manuel Jr. nasceu em 2021, o registo de nascimento não era uma opção. Viajar para uma cidade distante para registar um recém-nascido era proibitivamente caro. Manuel Jr. foi privado de uma certidão de nascimento e permaneceu "oficialmente" invisível durante algum tempo.
"Então, um dia, em Dezembro passado, disseram-nos que uma brigada móvel estaria aqui no campo para registar as crianças e emitir documentos", conta Manuel. "O rapaz foi registado pela primeira vez. Recebemos novos números e novos documentos. No próximo ano, tencionamos inscrever o Manuel Jr. na escola, e vamos fazê-lo com o seu documento."
As brigadas móveis são grupos de funcionários públicos que se deslocam a comunidades remotas ou vulneráveis em Moçambique. Levam serviços essenciais como o registo de nascimento a estas comunidades carenciadas, permitindo que as crianças sejam registadas e que as certidões de nascimento sejam emitidas.
A posse de um documento oficial teve um impacto imediato em Manuel Jr. quando este foi atingido por uma doença grave no início deste ano. O seu pai explica:
"Precisávamos urgentemente de levar o Manuel Júnior ao centro de saúde em Bangua. Ele tinha malária e estava muito doente. O documento permitiu-nos tratá-lo no centro de saúde e ele recuperou".
Com Manuel Jr. finalmente visível para o governo, ele pôde receber o tratamento vital de que precisava.As brigadas móveis estão a registar milhares de crianças em comunidades isoladas em todo o país e a ajudá-las a garantir os seus direitos mais fundamentais.
O UNICEF formou e equipou brigadas móveis da Conservatória do Registo Civil do Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos. As brigadas móveis representam apenas uma vertente dos esforços do UNICEF e dos seus parceiros para fortalecer o sistema de registo civil e estatísticas vitais de Moçambique.
Como diz Manuel, "a brigada móvel tem sido muito útil porque os documentos são realmente importantes para a comunidade no campo de reassentamento. Toda a gente aqui tem agora os seus documentos".
Com o generoso apoio do Governo do Canadá e do Governo da Noruega, o UNICEF tem apoiado o Governo de Moçambique a expandir o acesso através da abertura de 152 postos de registo civil nas unidades sanitárias, formação de técnicos de registo, digitalização do sistema de registo civil, e actividades de sensibilização ao nível da comunidade.