A Responsabilidade pelos direitos das crianças
O UNICEF e a Magnum Photos leva-nos a uma viagem singular através de Moçambique.

- Disponível em:
- Português
- English
Introdução
O terceiro país menos desenvolvido do mundo, Moçambique tem vindo a registar algumas das maiores taxas mundiais de crescimento económico nos últimos cinco anos, levando muitos a acreditar que uma grande transformação se vislumbre. Em virtude de Moçambique estar a preparar-se para dar um grande salto adiante, irão as crianças continuar a ser negligenciadas?
Todos os dias, 320 crianças menores de 5 anos de idade morrem em Moçambique devido a doenças totalmente evitáveis como a malária, pneumonia e diarreia. Com a maioria da população vivendo com menos de um dólar por dia, mais de metade das quais são crianças, a vida para os despojados é uma luta incessante pela sobrevivência.
Ao mesmo tempo, Moçambique continua a atrair grandes investidores para as suas vastas reservas de gás natural e carvão, descritas como "um embaraçamento dos ricos", e embora difícil de explorar, as expectativas são de que o país acabará por ser impulsionado a sair da pobreza.
O UNICEF e a Magnum Photos leva-nos a uma viagem singular através de Moçambique, mostrando-nos a realidades e destinos raramente vistos ou contados, da vida na sombra do boom económico, onde as escolas existem, mas muitas vezes não há uma educação de qualidade, onde a deficiência continua a condenar uma criança à miséria para toda a vida, onde um profissional de saúde enfrenta um exército de pacientes todos os dias, onde uma menina é provável que se case ou se torne numa mãe antes dos 18 anos, onde as vozes das crianças são raramente ouvidas apesar de constituírem a maioria, e onde a água potável é um luxo a que a maioria não tem acesso.
Falar Para Ser Ouvido
Eu gosto de divulgar os nossos direitos, os nossos deveres, de modo que as crianças não sejam molestadas, para que elas conheçam os direitos e os deveres que elas têm
A participação é um direito humano, consagrado no artigo 12 da Convenção sobre os Direitos da Criança, e inclui o direito de expressão e de participação activa das crianças na tomada de decisões em assuntos que lhes dizem respeito. Esse direito requer a partilha de informação e de diálogo entre crianças e adultos, com base no respeito mútuo e partilha de poder. A participação genuína dá às crianças o poder de moldar o processo e o resultado. Mas cumprir o direito à participação coloca inúmeros desafios, a partir de normas sociais até barreiras económicas e falta de vontade política para se envolver significativamente com os jovens.
A Rede dos Media Participativos para os Direitos da Criança em Moçambique constitui um espaço para as crianças, que representam mais de metade da população do país, para se unirem e produzirem programas que promovam e discutam sobre os direitos, os problemas e as prioridades que têm impacto nas suas vidas. Nas estações de rádios comunitárias, na Rádio Moçambique, e na Televisão de Moçambique, cerca de 1400 crianças produziram programas de criança-para-criança – seus pares – que alcançam a outras crianças, mas que também envolvem adultos em debates e discussões, por vezes sobre questões difíceis, como o abuso nas escolas.
As crianças e os jovens que são mais fortunados a aceder às actividades e espaços criados pela Rede e outros espaços participativos beneficiam de transformação muitas vezes notável. Elas têm uma melhor compreensão sobre os seus direitos e consolidam seu compromisso com os processos cívicos. Elas encontram um canal para falar – e falar para fora -- sobre questões que as afectam. Elas estão mais confiantes e alertas a pressões de seus pares e familiares e muitas vezes são capazes de negociar para sair de situações prejudiciais, tais como o sexo inseguro, a violência doméstica e o trabalho em vez de escola.
Mais precisa-se de ser feito para expandir e consolidar os resultados das intervenções bem-sucedidas da participação, estendendo este direito a mais crianças e jovens para ajudar a definir e desenvolver o seu futuro que, em última análise, lhes pertence.
Escolas Amigas da Criança
Outrora, os alunos eram meros objectos na sala de aulas. Agora, os alunos envolvem-se e participam activamente.
Embora 9 em cada 10 crianças em Moçambique hoje são matriculadas na escola primária, apenas 6 delas completam a sua educação. Mais escolas são necessárias, mas é a qualidade da educação que exige a atenção mais urgente.
A educação de qualidade numa escola amiga da criança começa com um professor bem treinado, que pode criar uma sala de aula eficaz e inclusiva, introduzir os mais recentes métodos de ensino, e garantir que as crianças não desistam. O ambiente físico, a partir da elaboração do projecto da sala de aula até aos materiais usados para construí-lo, também são fundamentais para melhorar a experiência de aprendizagem, assim como a promoção do bem- estar físico e emocional das crianças.
A iniciativa Escolas Amigas da Criança em Moçambique estimula uma abordagem integrada para a educação, que inclui água e higiene, saúde, protecção social e participação e, precisa, urgentemente de ser expandida. O objectivo principal é garantir que todas as escolas em Moçambique se tornem ambientes amigáveis da criança de aprendizagem, com os padrões mínimos de qualidade, que promovam e protejam os direitos humanos das crianças do país.
Um Sistema para a Vida
Nesta enfermaria, nós tratamos, em média, 80 pacientes por dia. Isso é muito trabalho para apenas uma enfermeira.
Com apenas um médico para cada 35 mil pessoas, e com o centro de saúde mais próximo, a uma distância de 25 quilómetros", em média, o sistema de saúde em Moçambique ainda é insufiencte para atender a todas as necessidades de saúde da população do País, considerando os grandes desafios de saúde pública, tais como a malária e o HIV e SIDA.
A vida das crianças em particular dependerá da robustez do sistema de saúde. Com um numero limitado de recursos humanos no terreno e com um número de centros de saúde desproporcionalmente pequeno, a prestação de serviços continua a enfrentar grandes desafios.
Para as crianças obterem serviços de saúde satisfatórios e relevantes, programas-chave devem ser totalmente financiados, os medicamentos essenciais não devem esgotar-se, os sistemas rigorosos para colectar e analisar os dados devem estar disponíveis, e o apoio político deve existir em todos os níveis para garantir que a saúde da população seja devidamente atendida.
O UNICEF trabalha no fortalecimento do sistema de saúde, mas as intervenções precisam de ser ampliadas para atingir a um número máximo de crianças, incluindo programas relacionados com a mudança de comportamento e as normas sociais, sem os quais a saúde das crianças em Moçambique vai continuar a estar comprometida.
Água, Saneamento e Higiene para a Criança em Moçambique
Porque não há uma grande quantidade de água, as crianças vão para o rio e isso coloca a nossa saúde em risco.
Como na maior parte do mundo em desenvolvimento, pequenas cidades em Moçambique estão a crescer rapidamente. Isto é, em parte, graças ao rápido crescimento económico, bem como a migração e o crescimento natural da população. Mas a rápida expansão superou a capacidade dos governos locais para prestar serviços essenciais, tais como o acesso à água e saneamento adequados, deixando as infra-estruturas obsoletas severamente sobrecarregadas. Este fenómeno é visto em grande parte de Moçambique de hoje, e tem consequências consideráveis para a população, especialmente as crianças.
O desafio de água e saneamento em cidades que crescem rapidamente toca as famílias e as escolas, os centros de saúde e os hospitais, e, juntamente com a má gestão de resíduos e práticas de higiene inadequados está levando à doença, à poluição, o aumento dos custos de saúde e perda de produtividade.
Com um interesse destacado da comunidade de doadores, que tradicionalmente privilegiam grandes áreas urbanas ou rurais, as vilas e pequenas cidades, muitas vezes ficam ignoradas, lutando para financiar seus planos de desenvolvimento.
E, no entanto, com as políticas inteligentes e proactivas, o problema é totalmente evitável. Em virtude de seu menor tamanho e menor densidade populacional, as vilas oferecem oportunidades para intervenções de baixo custo que podem melhorar muito a vida e a saúde de milhões de crianças.
Num impulso final para o alcance da meta do Objectivo de Desenvolvimento do Milénio 7c, o UNICEF está trabalhando com parceiros para permitir que centenas de milhares de pessoas tenham acesso à água e saneamento seguros, incluindo crianças em idade escolar.
Crianças Invisíveis
Estas crianças não precisam de caridade, elas precisam de dignidade.
O filme Crianças Invisíveis explora o desafio que constitui a deficiência em Moçambique, e vai de encontro a crianças e suas famílias, bem como de activistas como Ricardo Moresse, Presidente do Fórum Moçambicano das Associações de Pessoas Com Deficiência, que está trabalhando para construir a capacidade do país para a educação inclusiva e os serviços afins.
Moçambique ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência em 2012, mas a vida quotidiana das pessoas com deficiência permanece lamentavelmente precária, especialmente para crianças. A educação não é um dado adquirido, onde o acesso é um problema, mesmo para as crianças sem deficiência. Nesta conjuntura, prevalece a falácia que uma criança com deficiência não é de toda adequada para a educação. Muitas vezes, elas são mantidas em casa ou internadas numa instituição, sem receber educação.
As crianças com deficiência são frequentemente vítimas de estigma e discriminação, alimentadas por equívocos, superstições e da crença comum de que elas são um castigo ou uma maldição sobre a sua família.
Como todos nós, as crianças com deficiência precisam de amor, apoio e protecção. Elas precisam de ser tratadas com dignidade e respeito. Mas até que sejam satisfeitas estas necessidades básicas, as crianças com deficiência em Moçambique continuarão a ser invisíveis (ignoradas).
O UNICEF lançou um projecto de 2 anos integrando a educação, a protecção da criança, e a comunicação para o desenvolvimento, e é um primeiro passo importante no sentido de assegurar que as crianças com deficiência em Moçambique realizem plenamente o seu direito à educação básica e a um ambiente inclusivo.
Demasiado Jovem para Casar
Eu acho que todas nós devemos esperar o momento certo, pelo menos até aos nossos 20 anos, antes de engravidar.
O casamento prematuro é uma forma de violência. Em Moçambique, mais de metade das meninas são casadas antes de completar 18 anos.
Os relatórios confirmam que 38 % das adolescentes já são mães ou estão grávidas do seu primeiro filho. Na escola, não é incomum para os professores darem notas de passagem, em troca de favores sexuais. Silenciadas pelo medo e sem saberem onde ou como procurar ajuda, as raparigas muitas vezes abandonam a escola.
Em Moçambique, as comunidades muitas vezes aceitam o abuso de crianças e prevalece uma cultura do silêncio. Relatos são mínimos, com o abuso sexual, por exemplo, normalmente resolvido ao nível do seio familiar ou da comunidade, impedindo que os autores sejam levados à justiça ou encarcerados. As próprias crianças vítimas raramente têm acesso à saúde adequada e serviços sociais.
Tudo isso vai ter que mudar.
Na luta contra o casamento prematuro, o UNICEF está a ajudar as crianças a ter o acesso à assistência jurídica e médica, está a participar na formação de professores, médicos, agentes da polícia e magistrados judiciais, e na conscientização nas escolas, grupos religiosos e rádios comunitárias.
Mas, ainda há muito a ser feito, urgentemente, do lado da resposta. Urge intervenções que ajudem a aumentar o julgamento no sistema de justiça, mais casos de violência contra a criança, de modo que eles sejam devidamente julgados em sede de tribunais.