"Todas as coisas que me atraem acontecem no centro da cidade"

Morando no Campo Limpo, Zona Sul de São Paulo, Giovanna Feliciano é o retrato da jovem que vê como necessário o direito ao deslocamento seguro e igualitário

UNICEF Brasil
13 julho 2020
Morando no Campo Limpo, Zona Sul de São Paulo, Giovanna Feliciano é o retrato da jovem que vê como necessário o direito ao deslocamento seguro e igualitário. Foto: A jovem olha para a câmera, sem sorrir.
Arquivo pessoal

Giovanna Feliciano,17 anos, mora com os avós no Campo Limpo, Zona Sul de São Paulo. Nascida e criada na região, foi no ensino médio que viu seu direito à cidade expandir-se. "Comecei a ter mais acesso à cidade por causa do meu deslocamento, e ter mais autonomia pra fazer as coisas sozinha", diz ela, evocando a sensação de liberdade que brotou nesse momento, embalada ao medo dos olhares desconhecidos.

A possibilidade de novos voos pelo mapa teve importância particular para Giovanna, uma vez que as condições de acesso a lazer e cultura no seu território são limitadas. Fora a unidade do Sesc, inaugurada há pouco tempo, apenas uma pracinha no Campo Limpo oferece opções de arte e cultura. 

Giovanna percebe a escassez de eventos e instituições culturais no bairro onde mora como o principal desafio para os jovens da região. "O mais difícil de morar aqui é que todas as coisas que me atraem, como shows, acontecem no Centro. Só consegui perceber isso depois que eu comecei a migrar para outros bairros no ensino médio. Rodando a cidade e conversando com gente que morava em outros lugares, eu me atentei que havia muitas coisas pra fazer na cidade de São Paulo", conta Giovanna.

As oportunidades de fruição cultural de Giovanna encontram, contudo, um entrave: falta de dinheiro para o transporte e para o ingresso em determinados eventos. O trabalho recém-conquistado como auxiliar administrativo foi importante para a necessária geração de renda. "Além de ajudar minha família, eu tenho mais autonomia, posso sair do meu bairro e frequentar locais que eu não poderia porque é preciso pagar pra entrar, tipo ir ao cinema", diz ela. A insegurança no deslocamento não é apontada pela jovem como barreira à sua intensa circulação. Conseguiu convencer seus avós de que "é arriscado estar em todos os lugares, tanto no meu bairro quanto fora dele", lembra a jovem.

O ingresso na nova escola, instituição particular que Giovanna integra como bolsista, ampliou não apenas a circulação por São Paulo, mas também suas referências sociais. Ao se lembrar da infraestrutura e dos eventos escolares, Giovanna ressalta "o quanto parece que a gente está em outro mundo... parece que a gente está vivendo numa sociedade paralela". A desigualdade social é sentida igualmente no convívio escolar, uma vez que os jovens bolsistas são mantidos separados dos pagantes. "Isso diminui as possibilidades de conflito na escola, mas pode ser muito pior no futuro", reflete Giovanna.

"Gosto bastante de participar de projetos sociais porque me sinto mais importante, sinto que estou dando sentido pra minha existência"

Giovanna Feliciano, 17 anos, São Paulo

A jovem procura engajar-se em ações sociais do seu território há alguns anos. Ela participou de iniciativas da Viração, como os Jovens Educadores, e continua nessa jornada, agora com o Geração que Move, uma iniciativa do UNICEF, em aliança global com a Fundação Abertis e Arteris, e parceria técnica da Agência Redes para Juventude e Viração. O envolvimento contribuiu com a descoberta de sua vocação como jornalista e também com a construção de ferramentas para lidar com problemáticas pessoais, como autoaceitação e autoestima. Conhecer valores do movimento feminista, em particular, fez a jovem passar “a ter orgulho de quem eu sou”, destaca.

A contribuição no projeto Geração que Move só se fez possível no cotidiano corrido de Giovanna por conta da nova rotina instaurada pela pandemia de Covid-19. Ela ressalta que a iniciativa a fez reconhecer que pode contribuir mais do que imaginava, com o desenvolvimento da habilidade como videomaker e de se colocar na frente das câmeras. Giovanna diz que a proposta de colocar jovens de territórios vulneráveis como protagonistas do projeto abre espaço para novos olhares sobre as juventudes e as periferias. "São projetos como este que dão voz para os jovens falarem o que os toca e mostrarem suas visões de mundo, contribuindo para pequenas transformações", aponta ela. Como parte dessas mudanças estão o orgulho e o reconhecimento do seu território: "Participar do Geração que Move faz com que eu me orgulhe mais do lugar onde moro, com que eu tenha um olhar crítico e também de carinho pelo lugar onde eu vivo".

Atualmente, com a pandemia, Giovanna se vê na contramão dos moradores do seu território. Segundo ela, "tudo aqui já voltou ao normal", mas sua família segue reconhecendo a importância da quarentena. "Nossa maior preocupação no momento é adoecer, porque depender do SUS nem sempre é fácil", diz a jovem. Nem a necessidade de praticar atividades físicas tem tirado Giovanna de casa, afinal, segundo aponta, nos espaços públicos disponíveis na sua região há violência. As dificuldades de lidar com a crise que se impõe hoje aumentam quando ela vislumbra o horizonte incerto. "Pensar quando e como será o normal no futuro me deixa muito angustiada", conclui Giovanna.