O primeiro emprego dos sonhos
Após monografia sobre atendimento a pessoas que vivem com HIV/aids, assistente social participa do Viva Melhor Sabendo Jovem em Vitória

Meses antes de completar 15 anos, Izabela teve uma aula em casa. Aprendeu a andar de salto alto, coisa que nunca precisou fazer até aquele momento. O professor foi o tio Marcelo, uma das pessoas mais importantes de sua vida. Ele também a ajudou a escolher a roupa da festa, e a pensar em um penteado que valorizasse seus lindos cachos. Quando o grande dia chegou, Negão, como a sobrinha o chamava, não estava lá.
“Ele era como um irmão mais velho, morávamos juntos, um homem extraordinário, negro, gay, referência de militância pra mim”, conta Izabela Maria Martins da Silva. O tio amado morreu pouco tempo antes da festa tão esperada, em decorrência do HIV/aids. Tinha 39 anos. “Cresci sabendo o que ele passava, como era o tratamento. Toda a minha vida ele esteve junto. Sinto que continua até hoje”.
A experiência ao lado de alguém tão presente ajudou Izabela a escolher seus próximos passos. Ela estudou serviço social e, em 2018, defendeu seu trabalho de conclusão de curso, em parceria com uma amiga da faculdade: ela pesquisou o atendimento a pessoas vivendo com HIV/aids e sua inserção na política estadual de saúde.
Surgiu então a oportunidade de trabalhar com o tema que marcou com tanto significado sua vida. Ela entrou para a equipe do projeto Viva Melhor Sabendo Jovem, realizado pelo UNICEF e a Associação Gold, em parceria com a Prefeitura de Vitória e a Secretaria Estadual de Saúde do Espírito Santo. Durante nove meses, o projeto buscou prevenir HIV/aids e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) entre adolescentes e jovens na capital capixaba, além de promover a testagem rápida e o acesso ao atendimento adequado de saúde de novos casos.
Embora tivesse o perfil mais do que desejado para entrar na equipe do Viva Melhor Sabendo Jovem Vitória, a jovem de 24 anos não se via merecedora. Estava desanimada com tentativas frustradas de conseguir o primeiro emprego. “Confesso que pensei ser mais um que tentaria sem conseguir”, recorda. “Na semana seguinte à entrevista, uma sexta-feira à noite, recebi uma mensagem perguntando se estava pronta para começar na segunda”.
Contratada como assistente de coordenação, passou por duas semanas de treinamento oferecido pela Associação Gold e pelo UNICEF sobre direitos humanos, infecções sexualmente transmissíveis, violência contra a mulher. Aprofundou seus estudos de anos. E foi quando começaram as amizades da equipe que tinha a diversidade como marca, e também o desejo de fazer do Brasil um lugar melhor.
“Entrei com muito medo. Mas o projeto trabalhou minha autoestima. Fiz amigos. Dividíamos angústias e dificuldades”, lembra Izabela, com gratidão. Foi uma construção, um aprendizado diário entre pessoas diferentes, com idades diferentes.
Foram sete meses de trabalho – e deu tudo certo. A equipe realizou um total de 940 testes de HIV/aids, sífilis, hepatites B e C nas ruas de Vitória. As angústias de Izabela, naturais para uma jovem em seu primeiro emprego, foram superadas uma a uma.
“É incrível, quem testa negativo começa a pensar numa outra vida, a se ver de outra forma. Como se fosse uma segunda chance. Ainda existe um tabu de o homem e a mulher irem a uma unidade de saúde em busca de preservativos, por exemplo. As pessoas que passam pelo projeto são tocadas de alguma forma”, reflete Izabela.
Seu sonho profissional é seguir a carreira escolhida, como assistente social, e da qual se orgulha. “Fiz o Enem com muita vontade. Sempre defendi minha carreira, nunca liguei pra opinião dos outros, não me importa a desvalorização, o baixo salário. Quero continuar trabalhando com pessoas que vivem com HIV, como o tio Marcelo”, ela diz. E, assim, os dois continuam juntos.