O dia em que Arthur leu na sala de aula

Hoje, Arthur Filipe Banja, 11 anos, participa das atividades escolares, dá abraços espontâneos, interage com as pessoas. Mas nem sempre foi assim.

UNICEF Brasil
Menino sentado na escada, veste a camiseta do time de futebol Sport Club do Recife
UNICEF/BRZ/Raoni Libório
23 janeiro 2019

“Hoje, Arthur leu na sala”. Para Bianca Tenório, diretora da Escola Municipal Engenho do Meio, no Recife, essa notícia sobre o novo aluno, Arthur Filipe Banja, 11 anos, representava uma grande conquista. Era a prova de que ele tinha aceitado a rotina escolar e sentia-se incluído.

Descrito pelos pais como um menino muito alegre, Arthur, até então, era pouco sociável por conta do diagnóstico de autismo. O menino estudava em outra escola, mas começou a rejeitar a ideia de ir para lá. Até que chegou um ponto em que batia o pé e ninguém conseguia convencê-lo. Sensíveis, os pais identificaram que era hora de buscar outro ambiente e trocaram Arthur de escola.

A mudança aconteceu no fim de 2017. Os primeiros dias e semanas foram difíceis, mas, aos poucos, Arthur foi se adaptando. A rotina de pegar o ônibus para chegar à escola passou a ser bastante esperada pelo menino, que adora meios de transporte, tornando-se um ponto de partida positivo para sair de casa. Pouco a pouco, Arthur foi se integrando à escola e passou a participar das atividades pedagógicas, esportivas e corporais. Até que o menino tomou coragem e leu para a sala, dentro da atividade rotineira que a escola realiza em todas as turmas, para começar o dia. Era a resposta de que os educadores precisavam, como se o menino dissesse: sim, estou com vocês.

Desde então, Arthur vem demostrando maior abertura para participar de todas as atividades. A postura da escola, de garantir que todos os alunos estejam sempre incluídos, facilita a integração do menino com a turma e traz resultados positivos a todos. Essa prática vem sendo reforçada pela gestão escolar, que participou de duas edições do “Portas Abertas para a Inclusão”, iniciativa do UNICEF e do Instituto Rodrigo Mendes, em parceria com a Fundação FC Barcelona.

Como resultado desse processo de inclusão, Arthur ficou mais calmo até mesmo em casa e o tratamento com as pessoas mudou. Hoje, ele recebe as visitas em sua casa logo com um abraço e começa a mostrar seus brinquedos de carros e aviões, além de puxar conversa sobre viagens e aeroportos.

Uma mulher, um menino e um homem (mãe, pai e filho) estão sentados em uma escada
UNICEF/BRZ/Raoni Libório

Uma história de acolhimento e conquistas

A ternura é um traço forte da personalidade de Arthur, que ganhou formas ainda mais evidentes de demonstração depois que ele mudou de escola. “Desde bebê, buscamos formas de conexão com ele. Lembro da primeira vez em que ele realmente olhou para o pai. Ele estava batendo as mãos no sofá e o pai começou a repetir esses movimentos. Ele sorriu pela primeira vez. Era como se dissesse ‘você está brincando comigo’”, conta sua mãe, Claudia Ferreira, lembrado que ele tinha cerca de 1 ano de idade.

Um pouco antes os pais começaram a identificar que havia algo diferente com o desenvolvimento dele e o diagnóstico veio quando ele tinha um ano e cinco meses. “Fui me informar porque o que você não conhece vira um monstro. Depois fui entendendo e isso virou a minha vida”, descreve a mãe.

Experiente na paternidade, pai de outros seis filhos, Alexandre Banja, diz que o segredo está na paciência e no amor. “Precisamos entrar no mundo dele e trazê-lo para o nosso. É preciso ter paciência porque ele é teimoso e tem sua forma de pensar. Mas, com paciência, já conseguimos manter uma rotina”, destaca.

Hoje, Arthur dá abraços espontâneos, interage, busca seus desejos e negocia ações e passeios. Há cerca de quatro anos, passou a gostar muito de ver futebol e já reconhecia camisas de times internacionais nos passeios. Com o desenvolvimento das atividades esportivas na escola, ele também passou a jogar bola, de futebol a basquete. E não perde a chance de se integrar quando encontra um grupo de crianças brincando. “Agora é uma paixão. Quando pega uma bola, o cérebro dele se expande. Vejo isso como uma forma de se desenvolver como pessoa, de interagir”, descreve Claudia.

Inteligente e autodidata, Arthur aprendeu a ler praticamente sozinho. Os pais desejam que essa qualidade possa seguir sendo desenvolvida, contribuindo para que ele se torne um adulto independente. “Acho que o receio de toda mãe é partir e deixar ele aqui. Por isso, desejo muito que ele se desenvolva, aceite que pode ser diferente e que os outros também o aceitem”, comenta. O desafio no mundo real ainda é grande, reconhecem os pais. Por isso, enxergam o diferencial do ambiente criado na escola de forma tão enfática. “Nosso desejo é que essa característica de inclusão e aceitação real, tão forte na escola, entre todos os funcionários e os alunos, pudesse ser replicada para outras escolas e outros ambientes”, descreve a mãe.

Dois homens e um menino brincam com uma bola. Eles estão em uma sala. Um dos homens veste a camiseta do UNICEF.
UNICEF/BRZ/Raoni Libório

Sobre o Portas Abertas para a Inclusão

O sonho dos pais de Arthur também faz parte do objetivo do projeto “Portas Abertas para Inclusão”, desenvolvido pelo UNICEF e Instituto Rodrigo Mendes. Em parceria com a Fundação FC Barcelona, a iniciativa busca dar um novo significado à educação física de forma que todos os alunos possam participar, proporcionando uma nova compreensão e relacionamento diante das diferenças humanas. Em três edições semipresenciais, a formação passou por 16 municípios em 15 Estados, certificou mais de 900 cursistas e atingiu cerca de 90 mil estudantes. O curso ganhou uma versão EAD (educação a distância) em setembro de 2018 (https://portasabertasparainclusao.org/ead).

Recife, janeiro de 2019