De “caso perdido” a aluno modelo: uma trajetória de sucesso

Além de aluno brilhante, Wagner Joaquim tornou-se um apaixonado pela escola, pelo processo de aprendizagem e deseja ser professor

UNICEF Brasil
jovem está sentado em um banco de praça lendo um livro
Pei Fon
10 dezembro 2020

Aos 15 anos, Wagner Joaquim de França estava bem próximo de entrar para a estatística de adolescentes em situação de vulnerabilidade que abandonam a escola. Era 2017 e, após repetir duas vezes o oitavo ano do ensino fundamental, o adolescente pensava em desistir e começar a trabalhar. O desestímulo ia além de o que poderia ser uma deficiência de aprendizagem. Faltava atratividade aos conteúdos, ele não enxergava futuro ou pertencimento à sala de aula. Essa sensação mudou quando Wagner foi desafiado a participar da iniciativa Projeto de Vida, da Secretaria de Educação de Maceió (Semed), uma das experiências que inspirou o UNICEF a construir a estratégia Trajetórias de Sucesso Escolar.

A iniciativa busca contribuir com as escolas públicas na construção de boas práticas para que estudantes que estão em atraso escolar consigam superar a sensação de fracasso, evitando o gatilho para o abandono. A Escola Municipal Antídio Vieira, onde o jovem estudava, foi uma das cinco instituições de ensino incluídas no projeto piloto em Maceió (AL), na época apoiado pelo Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e Instituto Federal de Alagoas (Ifal), que recebiam apoio do Ministério da Educação. Naquele ano de 2017, dos 342 estudantes matriculados nos anos finais do ensino fundamental da escola, 156 tinham dois anos ou mais de repetência. Quase a metade dos meninos e meninas. E Wagner estava dentro desse número.

“Eu só ia para a escola porque era obrigado. Não tinha a percepção sobre qual a importância de estudar e aprender. Sempre reprovava em matemática. Não conseguia entender equação e nem pra que servia. E ainda tinha problemas com os professores”, relatou o estudante, hoje com 18 anos e concluindo o segundo ano do ensino médio em um colégio da rede de educação estadual. Ele lembra ter se negado a participar do projeto no início. “À medida que tínhamos aulas com dinâmicas diferentes, pudemos ter novas experiências na escola e comecei a me interessar. Antes do segundo semestre do primeiro ano de atividades, já consegui aprender, me encaixar e tirar notas boas. Vi ali uma oportunidade para mudar minha condição e agarrei”, contou.

Além de conseguir seguir para as próximas séries, o adolescente se revelou um excelente aluno, tornando-se modelo para a iniciativa. “De aluno desestimulado, introspectivo, que não avançava, Wagner tornou-se um estudante brilhante até hoje, com uma escrita impecável, superando todas as expectativas. É participativo e ajuda a construir uma nova proposta de ensino para uma educação mais inclusiva”, comemorou Edileuza Maciel, pedagoga que está à frente do programa pela Secretaria de Educação de Maceió.

"O mundo tem muitas coisas a oferecer, e uma delas é o conhecimento."

Wagner Joaquim de França, Maceió

“Foi uma reviravolta em minha vida”
Em 2019, o estudante conseguiu fechar o ano com a nota máxima nas disciplinas de história e português, mas sua média escolar se mantém alta até mesmo em matemática e química, disciplinas em que diz ter mais dificuldade. Além de um aluno brilhante, o adolescente tornou-se um apaixonado pela escola, pelo processo de aprendizagem e deseja ser professor. Em 2021, ele conclui o ensino médio e já está se preparando para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Além de compartilhar sua experiência e contribuir com outros meninos e meninas, pretende ajudar a família. Ele mora com a mãe, o pai e o irmão mais velho em um dos bairros mais vulneráveis de Maceió e dividem a renda familiar de um salário mínimo.

“Quero cursar licenciatura em Letras para ser professor. Vou fazer das minhas aulas uma casa para meus alunos, explicar um português humanizado, fazer expandir o conhecimento, ouvir muito os jovens. Sei que por aí existem muitos adolescentes que são inteligentes, mas que não conseguem se desenvolver porque a escola não é atrativa. Quero mostrar pra eles que, apesar do caos, o mundo tem muitas coisas a oferecer, e uma delas é o conhecimento”, afirmou.

Quando a escola acolhe
A estratégia adotada pelo projeto foi incluir estudantes com mais de dois anos de repetência em turmas multisseriadas com nova metodologia de ensino. A proposta é baseada a partir da escuta dos jovens sobre a dificuldade em aprender e que tipo de assunto desperta o interesse. No contraturno das aulas, eram oferecidas atividades extracurriculares para despertar o prazer de estar na escola, com aulas de música, teatro, oratória e visitas a equipamentos culturais da cidade. O objetivo era ampliar os horizontes de cada adolescente para que enxergassem a escola como um lugar de oportunidades de aprendizado.

“Nós avaliamos as matrizes do ensino e selecionamos os conteúdos fundamentais para a formação daquele grupo. Construímos esse material de forma lúdica, com práticas de ensino mais participativas, flexíveis e adaptadas à realidade dos estudantes. Mudamos a forma de avaliação”, Edileuza Maciel, pontuando que, quando uma turma toda não aprende e é reprovada, há um problema na metodologia de ensino.  

Em 2017, a parceria da Semed com a Ufal e o Ifal permitiu a capacitação dos professores durante esse processo. “A escola não tem o papel de reprovar, mas de construir conhecimento”, reforçou a pedagoga. Em um ano de trabalho com o Trajetórias, 45% dos alunos retidos nos anos finais do ensino fundamental na escola de Wagner conseguiram avançar para o ensino médio. E, dessa vez, Wagner estava no percentual dos índices de superação. Naquele ano, 135 mil crianças e adolescentes em idade escolar estavam fora da escola e 35 mil tinham mais de dois anos de repetência escolar.

Um ano após a implementação do projeto, o número de estudantes com atraso reduziu para 31 mil. São 4 mil meninos e meninas que mantiveram o vínculo escolar, aprenderam e conseguiram seguir planejando um futuro de oportunidades. No início do projeto, a situação mais complicada era a da Escola Municipal Pio X. Cerca de 66% dos alunos matriculados estavam retidos nos anos finais do ensino fundamental. Ainda assim, no ano seguinte ao início do programa, cerca de 50% conseguiram chegar ao ensino médio.