Criança órfã cuida de avó com deficiência visual
A avó, de 80 anos, sofre de deficiência visual e procura amparo no neto, com apenas 8 anos. Quando o menino lhe foi entregue, logo após o nascimento, já imaginava a vida que o aguardava.
- Disponível em:
- Português
- English
Tete, Mozambique - “Onde está o meu neto?”, pergunta insistentemente Delfina. A avó, de 80 anos, sofre de deficiência visual e procura amparo no neto, com apenas 8 anos. Quando o menino lhe foi entregue, logo após o nascimento, já imaginava a vida que o aguardava. Por isso, escolheu o nome que melhor captava essa realidade: Sofrimento.
“Dei este nome por causa da vida que levava. Sofreu muito. De manhã não tinha nada para comer e sempre estava a chorar”, explica a senhora, sentada no chão à sombra da sua casa, na cidade de Tete. “Não tomou leite, dava papinhas. Às vezes dava-lhe água com açúcar que as pessoas ofereciam”.
A avó do lado paterno ficou a tomar conta do menino depois do falecimento do pai, seu filho. A mãe “saiu há muito tempo e deixou o filho com o pai. Não sei se morreu ou não”, relata a avó.
Em tempos, Delfina fazia trabalhos esporádicos que lhe permitiam gerar algum rendimento. “Antes de termos moagem, há muito tempo, as pessoas davam milho para pilar e eu recebia algum dinheiro”, explica.
Dei este nome de Sofrimento por causa da vida que levava. Sofreu muito. De manhã não tinha nada para comer e sempre estava a chorar
Hoje, a sua subsistência assenta numa pensão mensal de 200 meticais, atribuída pelo Instituto Nacional de Acção Social, e alguns apoios de uma congregação religiosa. Além disso, desloca-se ao centro da cidade para procurar a caridade dos donos das lojas.
Ao acompanhar a situação desta avó, os técnicos da Direcção Provincial da Mulher e da Acção Social (DPMAS) tomaram conhecimento de um aproveitamento indevido do seu terreno por parte de um vizinho. Sem o conhecimento da avó, estava a ser erguida uma construção a escassos metros de sua casa. Assim, para evitar que Delfina perdesse a sua habitação, alertaram as estruturas locais e o Presidente do Município para que a situação fosse legalizada. Simultaneamente, a casa precária onde vive – que lhe foi dada pelo filho – foi substituída por uma habitação melhorada, no âmbito da intervenção da Acção Social.
O desafio que se coloca agora é o enquadramento escolar de Sofrimento. Apesar de estar matriculado no ensino primário, são poucas as vezes em que vai à escola. É ele que guia a avó e a acompanha quando vão para a rua pedir. Quando não está – como no dia em que a conhecemos – ela sente-se desamparada. “Esse menino saiu assim, nem se despediu de mim”, barafusta Delfina.
Para fazer face a este tipo de situação, a DPMAS está a tomar medidas para que as crianças que servem de guias a pessoas com deficiência sejam encorajadas a estudar no Centro de Recursos para a Educação Inclusiva, em Tete. Ao mesmo tempo, serão criadas condições para que os adultos passem o dia num centro aberto, ainda em fase de construção, com apoio de um parceiro internacional. “De outra maneira, nunca vamos conseguir. Porque essas pessoas querem ir à rua com os pequenos, para pedir esmola”, explica Josela Ferrão, Chefe do Departamento de Acção Social da DPMAS de Tete.
Sensibilizar os idosos contra a prática da mendicidade é uma componente importante do trabalho social, que tem vindo a ser feito em todas as províncias de Moçambique. Em particular, procura-se persuadir os idosos a não levar as crianças para a rua e, paralelamente, os agentes económicos e a população em geral têm sido alertados para não darem esmola, de modo a não perpetuar esta prática.
Quando já estamos para sair, Sofrimento aparece, para alívio da avó. No futuro, Delfina quer para o neto tudo aquilo que uma avó pode desejar: “Eu quero que ele venha a ser uma pessoa boa, que possa estudar. Que venha a ser um homem e que tenha o serviço dele, para eu parar de ir com ele na cidade, andar na rua”.