É preciso uma UBS Fluvial inteira para vacinar um ribeirinho
Em Abaetetuba, Pará, uma equipe de profissionais passa semanas longe de casa, levando vacinas, saúde e cuidado às populações ribeirinhas

Ainda está escuro quando os primeiros profissionais começam a chegar ao Porto Municipal de Abaetetuba, no Pará. É sexta-feira 14 de abril de 2023 e a Unidade Básica de Saúde (UBS) Fluvial se prepara para mais uma temporada pelos rios que cruzam as 72 ilhas do município. Serão 16 dias de viagem, 16 dias em que cada uma, cada um deixará sua casa e sua família para levar vacinas, saúde e cuidado às populações ribeirinhas. Os profissionais de saúde que ali estão receberam formação da Busca Ativa Vacinal, estratégia do UNICEF e parceiros para contribuir com municípios para a retomada da imunização infantil.
Vânia chega tímida, com um sorriso no rosto e muitas expectativas. Aos 22 anos, é seu primeiro dia de trabalho na UBS Fluvial, como técnica de enfermagem. Chega também Simona, com um semblante preocupado. Trabalhando há anos na Fluvial, dessa vez embarca deixando o pai hospitalizado na cidade. Recebe o carinho de Rosi e de outros colegas que vão chegando. Cada profissional ali tem a própria história, que leva consigo na viagem.
Pouco a pouco, o barco vai ficando cheio. O cheiro de café quente emana da cozinha e ajuda a espantar o sono. Foi preparado por Nilda, responsável pela alimentação de toda a equipe durante a jornada. Junto com ela, está Cris, com quem reveza os cuidados com a limpeza e a alimentação do grupo. A cozinha vai ficando cheia. Começam as conversas, as brincadeiras e as risadas de quem já vive ali quase como uma família.
Perto das cinco da manhã, com todos a bordo, ouve-se o barulho dos motores. É hora de começar a jornada. Na proa, está o enfermeiro Clebeson, coordenador da UBS Fluvial. Nascido em uma das ilhas, ele sempre se emociona com cada nascer do sol. “Sou ribeirinho, nasci e cresci nessas ilhas. Estar aqui, levando saúde para a minha população, sempre foi um sonho”, diz ele.
O experiente Tadeu conduz o barco, com a tranquilidade de quem conhece de longa data aquelas águas. Ao seu lado, está o amigo Benedito, chefe de máquinas. Há 25 anos na profissão, ele enfrenta o calor do subsolo da Fluvial para garantir que motor e geradores funcionem em segurança. “Quando me aposentar, acho que vou continuar vindo aqui. Essas pessoas viram parte da sua vida”, explica. Junto com ele, está Raimundo Nonato, piloto da pequena lancha que viaja com a UBS Fluvial e possibilita à equipe fazer visitas domiciliares nas comunidades, entrando nos rios menores.
Pouco menos de uma hora depois, a UBS Fluvial atraca na primeira parada: o Rio Caripetuba. Vão ficar ali por dois dias. Em pouco tempo, barcos coloridos começam a chegar, trazendo famílias com crianças no colo, usando guarda-chuvas para se proteger do sol forte. São cerca de 150 famílias ribeirinhas que vivem ali, a maioria trabalhando na pesca e na produção de açaí. Dias antes, Dene e Vavá, agentes comunitários de saúde (ACS) e moradores da comunidade, já haviam avisado a todos que a UBS Fluvial estava chegando, com vacinas e atendimento médico e odontológico. E a comunidade se organizou para recebê-los. “A gente trabalha sempre em parceria com a comunidade e com a UBS”, explica Dene.

Com caixas de vacinas em mãos, Clebeson, Vânia e Rosi desembarcam no Centro Comunitário para dar início à imunização de crianças, adultos e idosos – que será realizada ali. Ao mesmo tempo, dentro da UBS, outros profissionais se organizam para iniciar os atendimentos. Meire senta-se na recepção, preparando-se para receber e encaminhar os pacientes. A médica Rama, a enfermeira Michelle e a dentista Jhenifer abrem as portas dos consultórios. Diogo dá uma última organizada na farmácia. E os atendimentos começam.
A manhã é intensa, com gente entrando e saindo sem parar da Fluvial, vacinas e mais vacinas sendo aplicadas no pátio, e muito trabalho. Enquanto isso, Nilda corre para preparar o almoço, que acontece em turnos, na pequena mesa da cozinha. Às 12h, o atendimento para. Cris, com eficiência, higieniza os consultórios para que o trabalho possa recomeçar à tarde. Faz muito calor e a equipe pausa para descansar um pouco. Na mesa da cozinha, Raimundo, Tadeu e Benedito aproveitam para uma partida de dominó.

Às 14h, a correria recomeça. E vai assim até as 18h. O entra e sai de gente na UBS Fluvial e o fluxo contínuo de crianças, adultos e idosos sendo vacinados. Chegadas e partidas de barcos coloridos cruzando o rio, levando pacientes e profissionais de casa em casa. Toda uma dinâmica, essencial para garantir a saúde de cada ribeirinha e ribeirinho.
Os atendimentos terminam na hora do pôr-do-sol, que pinta de laranja o céu e o rio. Os últimos pacientes entram em seus barcos, no rumo de casa. Dentro da UBS Fluvial, o jantar está servido. Há fila para tomar banho. Alguns descansam nos quartos, outros conversam animados no convés. Conforme a noite chega, a vida vai aquietando. A equipe tem que dormir cedo para retomar os atendimentos pela manhã.
Sentado olhando as estrelas, Jonny sente saudades de seu bebê de 10 meses, que ficou na cidade. Para ele, o trabalho está apenas começando. O jovem é o vigia noturno, que cuida da segurança do grupo, enquanto os demais descansam.
Às 5 horas da manhã, o sol volta a brilhar, e a rotina se repete. Mais um dia intenso de trabalho. Consultas, vacinas, atendimentos domiciliares, a mesma correria do dia anterior. Quando o sol começa a se por, é hora de a UBS Fluvial partir também, rumo ao próximo rio. Ainda terão 14 dias de viagem pela frente, de comunidade em comunidade, levando saúde à população.
Nas margens do Rio Caripetuba, a comunidade se despede, deixando seu muito obrigada a Ana Cristina, Benedito, Clebeson, Dene, Diogo, Genilda, Jhenifer, Jonny, Manuel, Meire, Michelle, Raimundo, Rama, Rosimary, Simona, Vânia e Valdinaldo.
Para cada criança, uma equipe que cuida e vacina.
Busca Ativa Vacinal – O município de Abaetetuba faz parte do Selo UNICEF, uma das principais iniciativas do UNICEF no Brasil para garantir os direitos de meninas e meninos. Abaetetuba é um dos quatro municípios onde foi realizado o projeto-piloto da iniciativa Busca Ativa Vacinal (BAV).
A BAV é uma iniciativa do UNICEF para apoiar os municípios na garantia da imunização infantil. Usa uma metodologia social e uma ferramenta tecnológica – disponibilizada gratuitamente para municípios – e contribui para identificar crianças menores de 5 anos com atraso vacinal ou não vacinadas; estabelecer estratégias para encaminhamento delas aos serviços de saúde e atualizações de vacinação; monitorar as coberturas vacinais; acompanhar a situação vacinal da população-alvo; e identificar e responder a vulnerabilidades que levam à não vacinação. A estratégia incentiva a participação de diferentes áreas na BAV – como Educação, Saúde, Assistência Social, entre outras –, fortalecendo a rede de garantia de direitos. Para a iniciativa, o UNICEF conta com parceria estratégica da Pfizer e apoio da Fundação José Luiz Egydio Setúbal.