“Às vezes só temos o dinheiro para a comida”

Para proteger populações tradicionais, parceria entre UNICEF e Unilever leva 6 mil kits de higiene e limpeza a famílias quilombolas no Maranhão

UNICEF Brasil
um mulher e sua filha, as duas usando máscaras, olham para a câmera. elas estão sentadas embaixo de uma árvore
UNICEF/BRZ/João Torres
18 agosto 2020

De casa até a cidade mais próxima “dá mais de quatro léguas”. E, desde que começou a pandemia do novo coronavírus, Eleilza Gomes Pereira tem dificuldades para garantir as compras do mês. “O único transporte que a gente tem é pau de arara. São várias comunidades que pegam esse carro e, para evitar aglomeração, agora não tá passando. Aí a gente deixa de ir e comprar o que precisa”, diz.

Além do impacto na mobilidade, a pandemia também resultou no aumento dos preços das mercadorias. Moradora do Quilombo Santa Joana, a jovem de 25 anos relata que os produtos ficaram mais caros e o benefício que recebe do programa Bolsa Família não tem sido suficiente: “A gente compra o básico do básico. Às vezes só temos o dinheiro para a comida e não dá para a passagem. É complicado”.

Para chegar a quem mais precisa e proteger as famílias mais vulneráveis, o UNICEF vem atuando em conjunto com parceiros na distribuição de itens de higiene e limpeza em várias cidades brasileiras. Com o apoio da empresa Unilever, está distribuindo 400 toneladas de produtos em sete capitais das regiões Norte e Nordeste: Belém, Fortaleza, Maceió, Manaus, Recife, Salvador e São Luís. No total, 1,5 milhão de itens vão beneficiar mais de 470 mil pessoas. A novidade é que agora as doações estão alcançando também comunidades indígenas e quilombolas. No Maranhão, com o apoio da Secretaria de Estado de Igualdade Racial (Seir), lideranças das associações quilombolas e terreiros de matriz africana, o UNICEF levou 6 mil kits de higiene e limpeza a 195 comunidades quilombolas de 25 municípios maranhenses e a 60 terreiros na capital, São Luís, totalizando 6 mil famílias afrodescendentes beneficiadas, ou cerca de 25 mil pessoas.

Assim que os kits chegaram, Edmilson separou a água sanitária para lavar as roupas, distribuiu os sabonetes entre todos e a família já começou a fazer uso dos produtos.

“Essa doação que vocês trouxeram para a gente foi um alívio. Foi uma ajuda na hora certa. Evitou que a gente fosse à cidade comprar o que já estava faltando. E evitou o gasto que a gente teria. Com o dinheiro que economizamos, vou comprar uma carne, uns remédios. Só tenho muito que agradecer a vocês por olharem nossa comunidade”, diz.

“A gente mora aqui longe e eu vejo pessoas de fora, que se deslocam de São Luís, que vêm e enxergam nossa situação, têm empatia pelo próximo. Acho muito bonito. A gente agradece. Tudo o que a gente ganha de coração é bem-vindo.”

Eleilza Gomes Pereira, 25 anos, Quilombo Santa Joana

Cerca de 60 famílias vivem no quilombo Santa Joana e Eleilza Pereira sabe muito bem o que precisa ser feito para proteger a comunidade: além do distanciamento social, lavar as mãos frequentemente com água e sabão. “Nós fazemos o que podemos. Vivemos um lockdown das pessoas de fora. Temos a consciência de que não podemos ficar tão próximos, mas o problema aqui é a água, que a gente pega de poço”.

Mãe de uma menina de 5 anos, Eleilza está grávida novamente e precisa caminhar vários metros carregando baldes de água potável para lavar, cozinhar e tomar banho. “Eu venho mais de cinco vezes por dia com o balde para carregar a água do poço e levar para casa. É bem cansativo”, conta.

“Populações tradicionais têm sido historicamente submetidas a condições inaceitáveis de exclusão e vulnerabilidades. A Covid-19 as acentua e agrava, especialmente por conta das limitações no acesso a água e saneamento, nas oportunidades de uma educação inclusiva e estimulante, e na assistência básica de saúde. Crianças e adolescentes quilombolas, e suas famílias, são nossas prioridades e de nossos parceiros. Com apoio da Unilever, temos conseguido estar presente com essas doações para que possam fazer frente à pandemia. É o nosso dever e é o direito de todos eles: ser assistidos de forma prioritária, com dignidade e respeito”, diz Ofelia Silva, chefe do escritório do UNICEF em São Luís.

A comunidade Santa Maria dos Pretos é um quilombo vizinho ao de Eleilza. “Aqui é área dos pretos, que ficou de herança”, explica Edmilson Campelo. Ele vive com a esposa, um filho de 18 anos e a neta de 6. Dois filhos mais velhos moram com as famílias no quintal da roça de Edmilson. Apesar de afastados da cidade, a família sente os efeitos da Covid-19.

“Na nossa comunidade não tivemos nenhum caso, mas sabemos que a qualquer hora pode chegar. A gente sobrevive da nossa lavoura do arroz, feijão, da mandioca, e vende farinha para comprar mistura, carne e remédio. Mas ficou tudo mais caro”, conta.