Na volta às aulas, crianças pretas, pobres e filhas de mães jovens e de baixa escolaridade estarão excluídas da pré-escola
Pesquisa traça o perfil socioeconômico das crianças com menos acesso à primeira etapa da educação básica – e alerta para a urgência de fazer a busca ativa escolar, indo atrás de cada menina e menino fora da pré-escola e garantindo seus direitos
Brasília/São Paulo, 31 de janeiro de 2023 – A partir desta semana, começa a volta às aulas em todo o Brasil e, embora a pré-escola seja obrigatória no País a partir dos 4 anos de idade, há mais de 330 mil meninas e meninos de 4 a 6 anos longe da pré-escola – a maioria, crianças pretas, pobres e filhas de mães jovens e de baixa escolaridade. A exclusão se intensificou nos últimos anos, tornando ainda mais urgente a priorização da educação no País e a tomada de medidas efetivas para enfrentar esse desafio.
É o que revela a pesquisa “Desigualdades na garantia do direito à pré-escola”, lançada pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).
O estudo mostra que o Brasil vinha avançando lentamente no acesso à pré-escola nas últimas décadas. Em 2019, 94,1% das crianças brasileiras frequentavam a pré-escola, deixando 5,9% fora dela – apesar da previsão de universalização dessa etapa até 2016 pelo Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024.
Com a pandemia da covid-19, o cenário se inverteu. Embora não haja dados consolidados para os últimos anos, uma análise das taxas de matrícula durante a pandemia revela que ocorreu, apenas em 2021, uma queda de 275 mil matrículas na pré-escola.
“Infelizmente, nós ainda não tivemos acesso aos dados consolidados de 2019 para cá, mas nós já temos estudos que indicam uma queda dramática das matrículas dessas crianças na pandemia, o que torna o cenário ainda mais preocupante e demanda uma ação coordenada das três esferas de governo com as famílias e as redes de ensino nesta volta às aulas, identificando e localizando essas crianças que não estão tendo seu direito assegurado”, avalia Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.
Além de mostrar que todas essas crianças não estão tendo o seu direito à educação assegurado, a pesquisa traz outro alerta importante: crianças pretas, pobres e filhas de mães jovens e de baixa escolaridade são as que têm maior risco de não frequentar a pré-escola. Há também desigualdades regionais, estaduais e entre crianças do campo e das cidades.
Mudar esse cenário é urgente e demanda ações concretas, voltadas ao enfrentamento da exclusão escolar. Sabendo que a educação infantil é ofertada, prioritariamente, nas redes municipais de ensino, a pesquisa recomenda aos gestores municipais:
- Planejar a expansão de vagas, com especial atenção aos públicos mais vulneráveis identificados nesse estudo;
- Identificar e localizar as crianças que não estão matriculadas na pré-escola, utilizando estratégias como a Busca Ativa Escolar;
- Sensibilizar as famílias para a importância da educação infantil;
- Articular ações intersetoriais, integrando saúde, assistência social e educação para a promoção do direito à pré-escola às crianças;
- Contribuir para a efetivação do regime de colaboração, conhecendo quais programas e políticas federais e do seu estado estão ativos para a educação infantil e em quais seu município pode ser participante, além de demandar desses entes uma maior participação no regime.
“Essas recomendações são importantes e merecem atenção, sobretudo quando falamos de ações conjuntas, em regime de colaboração envolvendo União, estados e municípios. Temos governadores que foram empossados recentemente e é estratégico que essas recomendações cheguem a eles, para que estados e municípios trabalhem juntos pela garantia do direito à educação de cada criança”, destaca o presidente da Undime, Luiz Miguel Garcia, dirigente municipal de Educação de Sud Mennucci/SP.
Confira, a seguir, mais detalhes sobre os perfis da exclusão na pré-escola.
Raça e renda
Segundo os dados, no Brasil de 2019, a frequência escolar de crianças pretas, pardas e indígenas era menor (91,9%) que a de crianças brancas ou amarelas (93,5%). Ao olhar apenas para a desigualdade entre crianças brancas e pretas com o recorte regional, a Região Centro-Oeste apresentou a maior desigualdade racial, com diferença de quase nove pontos percentuais entre crianças brancas e pretas – 89,4% contra 80,6%.
Em relação à renda das famílias das crianças fora da pré-escola no Brasil, enquanto a taxa de frequência das crianças em situação de pobreza era de 92% em 2019, a de crianças que não estavam nessa situação era de 94,8%. Ao analisar os dados por regiões brasileiras, Sul e Norte se destacam negativamente, com as maiores desigualdades na frequência escolar, com uma diferença de 8,8% e 8,2%, respectivamente.
“Crianças pretas e pobres são, historicamente, mais vulnerabilizadas no Brasil e essa desigualdade no acesso à educação infantil privilegia alguns grupos em detrimento de outros, afinal as crianças pretas e pobres que não frequentam a pré-escola têm menos acesso a estímulos, interações, alimentação e segurança. Isso pode comprometer o desenvolvimento, impactar a progressão e a transição para as etapas de ensino sequentes, além de reproduzir desigualdades que atrasam o nosso país”, explica Maíra Souza, oficial de Primeira Infância do UNICEF no Brasil.
O Nordeste possui os números mais próximos para os dois grupos nos recortes analisados até aqui (raça e renda): na região, a defasagem de frequência escolar entre crianças pretas, pardas e indígenas e crianças brancas e amarelas era de 1,2 ponto percentual – a menor taxa do Brasil (95,2% contra 96,4%); e 1,4% entre crianças de famílias pobres e não pobres, com 95,9% e 97,3%, respectivamente.
No recorte de renda por estados, Amapá (58,7% e 84,4%), Acre (72,2% e 89,7%), Roraima (78,9% e 94,9%) e Rio Grande do Sul (77,4% 92,3%) são os que possuem maior desigualdade nas taxas de escolarização entre as crianças pobres e não pobres.
Idade, escolaridade e ocupação materna
“Desigualdades na garantia do direito à pré-escola” também analisou as características maternas e como isso interfere na frequência escolar das crianças. Os resultados indicam que filhas e filhos de mães mais jovens, menos escolarizadas e com trabalhos informais têm menores taxas de frequência escolar.
As análises da pesquisa revelam que a escolaridade da mãe é o recorte que apresenta a maior desigualdade entre um grupo e outro de crianças entre as regiões. Em 2019, a taxa de frequência de meninas e meninos cujas mães não possuíam ensino fundamental completo era de 91,1% contra 95,3% daquelas que possuíam. As regiões Norte e Centro-Oeste apresentaram as menores taxas de frequência para filhos e filhas cujas mães não tinham ensino fundamental completo: 84,8% e 86,3% respectivamente.
Esses resultados são, em parte, explicados pelos baixos indicadores para mães menos escolarizadas nos estados do Acre (71,2%), Amapá (75,8%), Roraima (82,0%), Rondônia (82,6%), Goiás (83,8%) e Amazonas (84,7%). No Rio Grande do Sul, a lacuna entre a frequência escolar das crianças cujas mães não concluíram o ensino fundamental 1 é de 14,1 pontos porcentuais em relação à de meninos e meninas cujas mães concluíram essa etapa – atrás somente do Acre, onde a diferença é de 16,3 pontos.
Segundo o estudo, as crianças cujas mães tinham menos de 20 anos de idade na data de nascimento de seus filhos (92,3%) frequentavam menos a pré-escola em 2019, resultado inferior em comparação às demais crianças, cujas mães tinham mais de 20 anos: 94,4%.
No recorte por regiões, essa desigualdade alcança números ainda maiores. No Centro-Oeste, essa diferença é de 8,7 pontos, com as crianças filhas e filhos de mães jovens com 81,5% de frequência escolar contra 90,2% para as demais crianças, ambas abaixo da média nacional.
Por fim, o último recorte materno analisado é a ocupação das mães. Segundo o estudo, crianças filhas e filhos de mães com trabalhos informais frequentam menos a pré-escola que aquelas cujas mães têm ocupação formal. Em 2019, os números eram de 95% e 96,6%, respectivamente.
A Região Norte é a que possui menor frequência escolar para crianças filhas e filhos de mães com trabalhos informais, com 89,4%. Esse resultado é explicado, especialmente, pelas baixas taxas do Amazonas (81,7%) e do Acre (85,2%).
“Embora esses dados indiquem que as desigualdades são maiores nos recortes maternos, nós percebemos que esses marcadores, infelizmente, também são característicos de mulheres pretas e pobres no nosso país, como mães jovens, de baixa escolaridade e trabalho informal”, avalia Mariana Luz. “Isso indica que o problema não é exclusivo no acesso à educação, mas é também de emancipação das mulheres e dos negros, além da quebra de ciclos intergeracionais de pobreza”, finaliza a CEO da Fundação.
O Nordeste registra as menores desigualdades ao olhar para as mães das crianças fora da pré-escola. A região praticamente universalizou o atendimento para crianças com mães ocupadas formalmente, com taxas de 99,2%, enquanto alcançou 97,9% para o outro grupo; tem a menor discrepância segundo a idade da mãe no nascimento da criança (94,9% contra 96,9%); e escolaridade, 95,5% e 97,5%, respectivamente.
Para o presidente da Undime e dirigente municipal de Educação de Sud Mennucci/SP, Luiz Miguel Martins Garcia, é fundamental a formulação de estratégias que respondam ao desafio de garantir pré-escola de qualidade para todas as crianças e as levem de volta à escola, com oportunidades de aprendizagem. “É indispensável que a gente trabalhe para ter ações robustas e coesas de busca ativa dessas crianças, que se amplie o acesso à educação infantil com qualidade e que a gente realize o monitoramento dessas iniciativas para que o direito constitucional à Educação seja efetivamente garantido, com equidade, para todos”.
Com o apoio técnico da Quantis Consultoria, o estudo avaliou as taxas de frequência de crianças na pré-escola segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) de 2019, da Pnad (2005-2015) e do Censo Demográfico (2010), com análises produzidas em 2019. A ausência de resultados mais recentes se dá pela não publicação de novos dados da Pnad sobre o tema.
A pesquisa “Desigualdades na garantia do direito à pré-escola” olhou para outros recortes de frequência escolar, como condição de monoparentalidade e situação do domicílio das crianças.
Sobre a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal
Desde 2007, a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal trabalha pela causa da primeira infância com o objetivo de impactar positivamente o desenvolvimento de crianças em seus primeiros anos de vida. As principais frentes de atuação da Fundação são a promoção da educação infantil de qualidade, o fortalecimento dos serviços de parentalidade, a avaliação do desenvolvimento da criança e das políticas públicas de primeira infância e a sensibilização da sociedade sobre o impacto das experiências vividas no começo da vida.
Sobre a Undime
A Undime é a instituição que há 36 anos representa os gestores responsáveis pela oferta da educação pública nos 5.568 municípios do País, junto ao governo federal, Congresso Nacional, Ministério Público, Tribunais de Contas, organismos internacionais, movimentos sociais, institutos e fundações, tendo por missão: articular, mobilizar e integrar os dirigentes municipais de Educação e o secretário de Estado da Educação do Distrito Federal, para construir e defender a educação pública, sob a responsabilidade dos municípios e do Distrito Federal, com qualidade social. Ao longo desses anos de atuação, a instituição vem se legitimando como instância representativa da educação básica pública nos municípios brasileiros, desempenhando papel importante e essencial nos processos de discussão, formulação e implementação de políticas públicas de educação.
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Sobre o UNICEF
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) trabalha em alguns dos lugares mais difíceis do planeta, para alcançar as crianças mais desfavorecidas do mundo. Em mais de 190 países e territórios, o UNICEF trabalha para cada criança, em todos os lugares, para construir um mundo melhor para todos.
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