“Eu sustento os meus seis filhos sozinha” – a história de uma mulher rural moçambicana
Alzira Mahanjane, de 34 anos, suportou uma década de violência doméstica. Com apoio da AREPACHO, uma organização que recebe apoio da Iniciativa Spotlight, ela aprendeu sobre a violência baseada no género e tornou-se uma agricultora e activista.

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Chongoene, Moçambique– Alzira Mahanjane, de 34 anos, suportou uma década de violência doméstica. Com apoio da AREPACHO, uma organização que recebe apoio da Iniciativa Spotlight, ela aprendeu sobre a violência baseada no género e tornou-se uma agricultora. Hoje, ela tem orgulho de poder sustentar os estudos dos seus seis filhos com o produto do seu trabalho.
A Iniciativa Spotlight é uma parceria global entre a União Europeia, as Nações Unidas e governos anfitriões para eliminar a violência contra mulheres e raparigas. Em Moçambique, a iniciativa é liderada pelo Ministério de Género, Criança e Acção Social e trabalha com organizações de base tais como a AREPACHO, para dar assistência a mulheres e raparigas marginalizadas que sofrem violência, tanto em áreas urbanas como rurais.
Na preparação para o Dia Internacional da Mulher Rural a 15 de outubro, a Sra. Mahanjane partilha a sua história.
“Eu fui casada por dez anos. O meu marido e eu construímos uma casa e tivemos seis filhos juntos, mas o nosso casamento não foi feliz. Discutíamos muito e ele bateu-me várias vezes"
"Um dia, o meu marido voltou para casa e disse-me que íamos ver a minha família. Ele não explicou porquê. Quando chegámos, a minha família inteira estava à minha espera. Eu não entendia o que estava a acontecer.
Então, o meu marido disse à minha família que estava a ‘devolver-me’ porque eu estava ‘possuída por demónios’. O meu irmão ficou com tanta raiva que brigou com ele. O meu marido foi embora e eu fiquei para trás.
Após duas semanas sem ver os meus filhos, voltei para casa, apenas para ser expulsa novamente. Eu insisti que não iria embora – aquela era também a minha casa!
Ele bateu-me várias vezes e cortou o meu dedo. Fui ao hospital, onde fui orientada a denunciar o caso na esquadra, mas não quis fazê-lo. Preferi procurar aconselhamento com os líderes comunitários locais. Eles aconselharam-me a ficar com o meu marido e convenceram-no a parar de me mandar embora.
Porém, depois de algum tempo, ele trocou-me por outra mulher e fui forçada a fazer biscates para alimentar os nossos filhos.
Alguns anos antes, eu havia ingressado na AREPACHO, uma organização de base comunitária que ensina agricultura e apoia pessoas vulneráveis.
Na AREPACHO, aprendi a cultivar vários tipos de alimentos e conheci um grupo de pessoas que até hoje considero a minha família.
Além da agricultura, costumávamos visitar órfãos, crianças vulneráveis e pessoas vivendo com HIV/SIDA. Lavávamos as suas roupas e preparávamos comida para elas.
O meu marido não gostava que eu participasse nesta organização, mas sempre mantive o contacto com os meus colegas activistas.
Hoje, a AREPACHO trabalha principalmente com jovens na área do planeamento familiar. Mas com as habilidades agrícolas que aprendi, agora trabalho como agricultora e sustento os meus seis filhos sozinha. Não foi fácil, mas todos estão na escola e o meu filho mais velho, que agora tem 16 anos, está a estudar para ser electricista. Durante o período de encerramento das escolas devido à COVID-19, os meus filhos ajudaram-me a cultivar o campo. Em breve, colheremos milho”.
Apesar da sua vida agitada, a Sra. Mahanjane tem ideias para o seu futuro: “Eu quero estudar e, um dia, gostaria de treinar outras pessoas para serem agentes de mudança nas suas comunidades, para que possam ajudar as mulheres a superar a violência”.
A Sra. Mahanjane é uma entre as mais de nove milhões de mulheres rurais em Moçambique, de acordo com o Censo Populacional de 2017. Elas representam mais de 34% da população moçambicana e a maioria trabalha na agricultura – a principal fonte de rendimento para mais de 70% dos moçambicanos. [1]
De acordo com o último Inquérito Demográfico e de Saúde em Moçambique (DHS 2011), mais de 37 por cento das mulheres moçambicanas sofrem violência física e sexual durante as suas vidas. O baixo número de denúncias continua a ser um grande problema em Moçambique, assim como em todo o mundo.
As mulheres rurais moçambicanas enfrentam múltiplas barreiras na denúncia de casos de violência, desde baixos níveis de alfabetização à falta de conhecimento sobre onde encontrar apoio, dificuldades no acesso à justiça, dependência de mecanismos informais de resolução de conflitos, ou simplesmente porque acreditam que a violência é normal.
Organizações de base como a AREPACHO são fundamentais no apoio a mulheres e raparigas rurais marginalizadas que sofrem violência. Estas organizações ajudam as(os) sobreviventes a entender a violência e as muitas formas que esta pode assumir. Também as(os) informa sobre onde denunciar e encontrar apoio.
A AREPACHO é uma organização comunitária com sede em Chongoene, Província de Gaza, que capacita as mulheres agricultoras a melhorar sua produtividade e acesso aos mercados. Os membros contribuem para reduzir a pobreza nas suas comunidades aumentando a conscientização sobre HIV/SIDA, planeamento familiar, segurança alimentar e violência de género, bem como através do apoio a órfãos e a crianças vulneráveis. A AREPACHO é parceira da Gender Links, uma das muitas organizações que trabalham com a Iniciativa Spotlight em Moçambique para promover os direitos das mulheres e eliminar a violência baseada no género.
Em Moçambique, a Iniciativa Spotlight é implementada por um período de quatro anos (2019-2022) com um compromisso financeiro de 40 milhões de dólares norte americanos da União Europeia. A Iniciativa foca-se nas seguintes áreas prioritárias: eliminar a violência sexual e baseada no género, eliminar as uniões prematuras e promover os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e raparigas.
[1] IFAD, Mozambique country facts (https://www.ifad.org/en/web/operations/country/id/mozambique#anchor-5)