Zona Nossa: mobilização feminina nas favelas

Projeto do UNICEF com o Luta Pela Paz traz debates sobre gênero, raça, identificação territorial e autocuidado para comunidades do Rio de Janeiro

UNICEF Brasil
19 julho 2021
Juliane Cruz, 21 anos, estudante de psicologia na UFRJ e moradora da Maré, é uma das 20 adolescentes e jovens mobilizadas pelo projeto Zona Nossa no primeiro semestre de 2021.
Luta pela Paz

Acordar cedo, estudar, trabalhar, ajudar em casa e ainda lidar com as pressões do dia a dia e as múltiplas violências dentro do território: ser jovem, dentro da favela, não é uma tarefa fácil. A vivência cotidiana pode ser cruel e desanimadora. É como destacam as jovens Pâmella Gabriel, de 22 anos, moradora da Pavuna, e Juliane Cruz, de 21 anos, moradora da Maré. As duas participam do Zona Nossa, projeto do UNICEF em parceria com a ONG Luta pela Paz.

Nessa iniciativa, as adolescentes e jovens encontraram novas possibilidades, participaram de debates e criaram uma rede de apoio entre jovens mulheres que, mesmo em territórios distintos, compartilham vivências muito semelhantes e planejam estratégias de mobilização para encontrar, juntas, soluções comuns para os desafios que enfrentam diariamente.

Foto mostra o rosto de uma jovem.
Arquivo pessoal – Juliane Cruz

“Eu gosto muito da possibilidade de entender as especificidades dos diferentes territórios. Existe muito estigma sobre as favelas. Acham que toda favela é igual, funciona da mesma forma. Mas muito pelo contrário. Cada local produz sua própria cultura, seus conhecimentos, comércio, formas de habitação. O que me chamou atenção no Zona Nossa foi fazer essa integração com outras pessoas de outros territórios que não o meu.”

Juliane Cruz, 21 anos, Maré, Rio de Janeiro (RJ)

Juliane, que é estudante de psicologia na UFRJ, e Pâmella, que trabalha no setor de perfumaria de uma farmácia e estuda para concursos, destacam a satisfação de encontrar pessoas como elas e pensar as vivências enfrentadas pelas mulheres moradoras de favelas para além dos estigmas sociais que as envolvem. “O que me interessou foi que só tinha mulheres. Eu conheci um pouquinho de cada uma. Umas meninas daqui que eu só conhecia de vista e nem trocava ideia. Agora, nós nos identificamos como apoio umas para as outras”, conta Pâmella.

Saúde mental e os desafios dos jovens nas comunidades periféricas
Um dos temas mais discutidos durante o Zona Nossa foi a saúde mental entre jovens. Juliane afirma que é possível oferecer psicologia às favelas para além dos consultórios e clínicas. “Dá pra fazer saúde mental com cultura, esporte e arte. Não necessariamente do jeito tradicional. Promover a saúde mental é muito mais do que isso”, pontua a futura psicóloga.

Pâmella afirma que esse é um desafio muito grande para os jovens do seu território. De acordo com ela, fatores como a preocupação com o futuro, pressão familiar e a vida sob constante violência, claramente, desmotivam. “ A depressão dá a ideia de que os sonhos estão acabando”, afirma a jovem.

Outro assunto abordado e discutido com frequência durante o projeto Zona Nossa foi a violência baseada em gênero. “É um desafio enorme, principalmente porque a maioria das pessoas não entende o que é essa violência. E a gente vê isso acontecer com muita frequência”, fala Pâmella. 

Juliane lamenta a falta de ações efetivas para sanar esse problema. “Isso tudo demanda da gente muita política, muita revolução e muita militância. Nossos corpos são políticos desde que a gente nasce até o dia em que a gente morre. Isso precisa fazer parte da nossa vida. A gente precisa começar a ouvir essas mulheres e pensar formas alternativas para ajudá-las”.

As jovens deixam claro que ainda há muito para avançar na proteção de violência contra mulheres de todas as idades. Para elas, a violência baseada em gênero não será solucionada somente com o rigor da lei. Além disso, elas reforçam que, para modificar esse quadro, é imprescindível incluir os homens no debate, pensar estratégias de conscientização e entender a raiz do problema. “É preciso um trabalho de conscientização que deveria ser feito desde a escola. É lá que muitas coisas acontecem”, afirma Pâmella.

Vida após o Zona Nossa
Pâmella e Juliana são duas das 20 adolescentes e jovens mobilizadas pelo projeto Zona Nossa no primeiro semestre de 2021. Ambas demonstram interesse em continuar levando debates importantes para dentro de seus territórios.

“Multiplicar informações entre as pessoas do nosso território é fantástico. Os debates rendem e as rodas de conversa começam a encher. Me impacta muito ver jovens e adultos com um sorriso de satisfação por estarem sendo ouvidos e por ouvirem alguém que é como eles.”

Pâmella Gabriel, 22 anos, Pavuna, Rio de Janeiro (RJ)

Foto mostra o rosto de uma jovem sorridente
Arquivo pessoal – Pâmella Gabriel

Juliane demonstra interesse em continuar agindo pelo seu território e deixa claro: “É muito bom construir caminhos de debates e conversas para chegar nos territórios sem colocar pessoas em risco. É um caminho difícil, mas precisa ser feito. O que a gente pode oferecer para apaziguar essas questões? Quais são os projetos que a gente pode criar? Como que a gente produz economia para essas mulheres? O Zona Nossa nos trouxe a possibilidade de aprender na prática”.