Levar o registo de nascimento até às crianças
Mobilização Comunitária do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos da Guiné-Bissau aproxima as comunidades dos serviços, com apoio das autoridades tradicionais, as escolas e unidades de saúde
- Disponível em:
- English
- Portuguese
Hoje é um dia diferente para Zandonaide Cabral. Ao invés de estar na sua sala, no Posto de Registo Civil da Delegacia de Mansoa, na região de Oio, o técnico de justiça está a trabalhar ao ar livre. Ao lado da estrada principal e por baixo de uma árvore, para se abrigar do sol da Guiné-Bissau, e rodeado pela densa vegetação, Zandonaide faz o registo do nascimento das crianças da aldeia de Njhanhe.
O técnico participa na mais recente mobilização comunitária do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos que visa assegurar o registo de todas as crianças, aproximando os serviços da justiça dos cidadãos. A estratégia consiste em colocar os funcionários do registo civil em movimento, algumas vezes por ano, para que cheguem, de motorizada, às aldeias mais recônditas e de difícil acesso de todas as regiões do país.. Numa mochila, Zandonaide trouxe o material necessário para um dia produtivo de trabalho: o livro de registo de nascimento, cédulas de nascimento, carimbos e canetas.
No final do expediente, ele mostra-se contente. Só hoje, Zandonaide registou 39 crianças dos 0 aos 7 anos da aldeia de Njhanhe. Considerando a longa distância entre a aldeia e o posto de registo civil mais próximo, a falta de estradas e as dificuldades de deslocação da população de Njhanhe, pode-se assumir que são 39 crianças que não existiriam aos olhos da lei e do Estado da Guiné-Bissau, se não fossem os esforços do setor da justiça de chegar a todos os cidadãos, com apoio do UNICEF e financiamento da Agência Italiana de Cooperação para o Desenvolvimento. Dados de 2019 (MICS) mostram que apenas 36% das crianças guineenses com menos de 1 ano têm registo de nascimento.
Amanhã, Zandonaide vai fazer o mesmo noutra comunidade de Oio. O oficial de registo civil esforça-se para visitar o maior número de aldeias possível, durante os 12 dias da mobilização comunitária. Esta é uma iniciativa regular, que se repete em todas as regiões da Guiné-Bissau ao longo do ano. Sob liderança dos serviços de registo civil do Ministério da Justiça e Direitos Humanos, são identificadas as áreas em que as comunidades mais têm dificuldades de aceder aos serviços sociais básicos e deslocados técnicos. Em Cacheu, região que faz fronteira com Oio, Sona e Malam Seidi estão satisfeitos com este serviço. Eles registaram os seis filhos mais velhos na última vez que o técnico da justiça visitou a vila de Ingoré. Agora, aproveitam a nova mobilização comunitária em Cacheu para registar o casal de gémeos, Sene e Sana, de apenas 8 meses de vida.
Na vila de Ingoré, o oficial do registo civil montou o seu posto temporário debaixo da grande árvore em frente à casa do régulo, para ser visto e notado por todos. Com o apoio do régulo, que tem mobilizado a comunidade nas últimas semanas, todos os pais e mães já estão informados sobre a importância do registo civil e as crianças da comunidade até aos 7 anos serão registadas.
Na Guiné-Bissau, o registo de nascimento de crianças até aos 7 anos é gratuito. O pai e a mãe podem registar os filhos apresentando, de forma excecional, o cartão eleitoral, já que a maioria dos adultos não tem documentos de identificação civil (ID card).
"O objetivo é retirar as barreiras, simplificar o processo e garantir que se cria uma geração com identidade legal, capaz de usufruir dos benefícios e serviços que são garantidos por lei e reivindicar os seus direitos".
O apoio dos líderes tradicionais e comunitários é essencial para o sucesso da mobilização comunitária, considerando o peso da influência destas figuras, principalmente nas áreas rurais. Na aldeia de Bafatá Oio, na região de Oio, o régulo - o rei da comunidade, segundo o poder tradicional - Braima Saliquenha Turé assumiu pessoalmente a responsabilidade de chamar toda a comunidade com antecedência.
Quando o oficial de registo civil aqui chegou, já os pais e mães estavam preparados e à espera para registar os filhos. A maioria trazia o cartão eleitoral na mão e já sabia quais eram os passos a dar.
O régulo Braima ajudou ainda a organizar a comunidade para receber o serviço de justiça. Como a aldeia de Bafatá Oio é extensa e populosa, ele criou uma divisão: algumas famílias, previamente informadas, vão realizar o registo de nascimento no período da manhã, e as restantes, no período da tarde.
“Este serviço é muito importante”, diz o régulo Braima Turé. Ele conta que já sabia da importância do registo de nascimento, porque o filho trabalha no centro de saúde, como agente de saúde comunitária te passa-lhe estas informações. Braima Turé tem sempre pedido aos habitantes da aldeia de Bafatá Oio para registarem o nascimento dos seus filhos quando visitarem o centro de saúde, que fica a alguns quilómetros de distância. Para simplificar e aproximar o serviço da comunidade, o conservador adjunto da região de Oio, Abdulai Saidi, forneceu ao régulo Braima Turé os contactos telefónicos dos conservadores e oficiais de registo civil da região. Assim, o régulo poderá encaminhar diretamente a sua comunidade para os responsáveis do posto de registo civil mais próximo, ou solicitar uma nova visita do oficial de registo civil, quando houver um número considerável de crianças a registar na aldeia
Para Aua Sisse, o dia também fugiu à rotina. Em vez de estar no jardim de infância, a menina de 6 anos, está em frente à Escola Básica de Mansore, na região de Oio, à espera de ser registada. O professor do jardim de infância, Laminé Turé, fez uma lista dos alunos que ainda não tinham registo e pediu aos pais que estivessem hoje aqui presentes, prontos para receber a visita de trabalho do oficial de registo civil. Agora, perante todos os pais, mães e crianças, o professor faz a chamada e ajuda a organizar a fila para o registo. Grande parte dos seus 70 alunos estão presentes.
Nestes esforços para a mobilização comunitária, o referenciamento de crianças sem registo tem feito a diferença, e o setor da educação e da saúde têm sido bons aliados. Só no ano de 2022, 35% de todos os recém-nascidos receberam certidões de nascimento, principalmente nas unidades de saúde, segundo dados do DHSI2 da saúde (nascimentos em 2022) e dados do RapidPro do Ministério da Justiça e Direitos Humanos.
No Centro de Saúde de Caliquesse, que serve a região de Cacheu, o técnico de saúde Júlio Uanhé explica a importância de registarem as crianças a todas as mães que levaram os bebés para tomar vacinas.
"Crianças sem registo estão mais vulneráveis a qualquer tipo de violência e exploração, por não terem a proteção do Estado, e que não podem ter bilhete de identidade nem nacionalidade" - diz Júlio aos pais.
Epifania Pereira, de 29 anos, que levou a pequena Augusta, de um mês, para apanhar vacinas, diz que vai logo a seguir chamar o marido para juntos registarem a menina.
A liderança dos serviços regionais da justiça e do registo civil, o envolvimento dos vários sectores da sociedade, e a mobilização comunitária e social feita com as autoridades tradicionais tem mostrado que é possível ultrapassar obstáculos físicos e levar os serviços às crianças. Com financiamento da Agência Italiana de Cooperação para o Desenvolvimento, e apoio do UNICEF, promove-se um aumento significativo da taxa de registo e o reforço contínuo das capacidades a nível nacional.
Em Cacheu, agora na aldeia de Burné, Vanuza e Gilberto esperam pela sua vez de serem atendidos pelo oficial de registo civil, a mais de 15 quilómetros do posto de registo mais próximo. A fila é longa e enquanto aguardam, o jovem casal ainda discute qual será o nome de registo do único filho, que já tem 1 ano. O pai insiste em dar-lhe o nome de Emanuel Gilberto Biagué e a mãe não quer que a criança tenha o mesmo nome que o pai. Ambos concordam que o mais importante é a criança ter um registo, um nome e uma identidade.