Empoderar raparigas para sonharem e se expressarem
Raparigas adolescentes na Guiné Bissau aprendem sobre os seus direitos e transformam as suas comunidades

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Ela parecia tímida, até começar a falar. Aos 19 anos, Adja Camará levantou-se durante o encontro na "Bantaba de Badjudas", ou Casa das Meninas em Crioulo, e referiu alguns dos temas que as raparigas adolescentes e jovens discutem quando estão juntas. Adja vive em Padjama, uma aldeia de cerca de 2.000 pessoas na região de Gabu, parte oriental da Guiné-Bissau.
A presença dos visitantes do UNICEF pareceu deixá-la um pouco intimidada, mas não por muito tempo. Desde mutilação genital feminina até ao casamento forçado e à higiene menstrual, a jovem rapariga foi exibindo tudo o que aprendeu nos últimos anos graças ao "Projeto de Educação, Empoderamento e Participação de Meninas Adolescentes". Às vezes, ela escondia o sorriso por trás do véu – especialmente quando explicava como calcular o ciclo menstrual usando pedras e paus para contar os dias – mas, à medida que falava, rapidamente recuperava a confiança.
Adja Camará fala na Casa das Meninas |
A Casa das Meninas é um pequeno edifício circular azul com assentos junto às paredes e uma placa na entrada com a inscrição "Bantaba de Badjudas – a força das raparigas está na sua inteligência". Foi construída pelo Projeto de Educação, Empoderamento e Participação de Meninas Adolescentes do UNICEF, com financiamento do Comité Francês do UNICEF. No interior, as raparigas, com idades compreendidas entre os 12 e os 19 anos, reúnem-se semanalmente para aprender sobre temas como saúde sexual e direitos das mulheres e das crianças e discutir questões importantes para as suas vidas, como o casamento infantil e o trabalho infantil. Mas as raparigas também usam este espaço para estarem afastadas dos adultos e para rir, fofocar sobre a vida na aldeia ou comentar sobre as últimas modinhas na internet.
Este é um espaço seguro e aqui as adolescentes de Padjama aprendem a desenvolver a sua autoestima, a dizer o que pensam e a defender os seus direitos.

Do lado de fora da Casa das Meninas, Adja conversa com as amigas, Fanta Djabulai, 19 anos, e Cadidja Djata, 20 anos. Vê-se que elas são amigas pela maneira como riem e brincam umas com as outras. Estas jovens corajosas não têm medo de sonhar. Adja quer ser médica no futuro e as outras duas raparigas querem ser professoras.
Adja, Fanta e Cadidja participam nos encontros com adolescentes desde o seu início, em 2019, quando uma organização da sociedade civil local, a Ação Nacional para o Desenvolvimento Comunitário (ANADEC), começou a implementar o projeto na região de Gabu. No início, os voluntários que vinham à aldeia realizavam sessões com apenas algumas raparigas presentes. Hoje, têm mais de 70 participantes semanais regulares.Trabalhar com as adolescentes e os seus pais levou a mudanças notáveis na aldeia. Os voluntários da ANADEC, que são incansáveis defensores dos direitos das crianças, desempenharam um papel fundamental nessa transformação. Em Padjama, a ausência de relatos recentes de mutilação genital feminina e de casamento infantil é uma prova clara dos progressos alcançados. Esse avanço é ainda mais significativo considerando os alarmantes índices de violência de gênero nesta região.
Aproximadamente 96% das mulheres com idades compreendidas entre os 15 e os 49 anos na região de Gabu foram submetidas à MGF – a taxa mais elevada do país. Além disso, Gabu também tem o maior percentual de mulheres casadas antes dos 18 anos, 49,2%, de acordo com as Pesquisas de Cluster de Indicadores Múltiplos de 2018/2019.
As três adolescentes mostram-se confiantes quando dizem que não se querem casar agora, porque "o casamento dá muito trabalho". "Antes as pessoas tinham que casar-se muito cedo, mas agora os pais perguntam às meninas se elas se querem casar ou não", diz Fanta. As raparigas querem casar-se apenas quando tiverem 30 anos, para que poderem adiar o matrimónio “por muito tempo e depois ainda poderem ter filhos", acrescenta Adja, fazendo as outras duas rir. Antes das intervenções da ANADEC, as adolescentes, como a maioria das crianças da aldeia, nem sequer sabiam as suas idades, porque não tinham registo de nascimento.
O projeto Educação, Empoderamento e Participação de Raparigas Adolescentes visa dotar as adolescentes de competências e aptidões para a vida, incluindo o acesso a oportunidades de aprendizagem e um ambiente favorável para o seu desenvolvimento. As intervenções incluem a criação de condições de aprendizagem propícias para as raparigas nas escolas, utilizando os princípios de escolas amigas das crianças, o acesso a oportunidades de aprendizagem de qualidade, especialmente para as adolescentes que estão fora da escola, programas de competências para a vida, programas de liderança e capacitação, desporto para o desenvolvimento, participação das raparigas adolescentes e prevenção do casamento infantil, através de parcerias com as comunidades. As raparigas estão a aprender sobre a violência baseada no género – incluindo a mutilação genital feminina e o casamento infantil –, a saúde sexual e reprodutiva, os direitos humanos e a igualdade de género. Tudo isto sob o manto da importância da educação e do acesso à aprendizagem para todas as crianças, alcançando primeiro aqueles que estão mais distantes e garantindo que ninguém seja deixado para trás.
Na sua próxima fase, prevista para 2024 e 2025, o projeto vai centrar-se na implementação de um Programa de Aprendizagem Acelerada (ALP), para dar às crianças que estão fora da escola a oportunidade de aceder a uma aprendizagem de qualidade e concluir o ensino primário. Para isso, o UNICEF está a apoiar o Instituto Nacional de Desenvolvimento Educativo (INDE) a criar um novo currículo escolar abrangente para a ALP. Através do programa de aprendizagem acelerada, seis anos do currículo do ensino primário serão ensinados de forma condensada ao longo de três anos. Este novo programa de educação acelerada está a ser adaptado especificamente para adolescentes que não tiveram a oportunidade de iniciar a escola quando tinham 6 anos ou não conseguiram, por várias razões, concluir o último ano do ensino primário, o sexto ano, antes dos 12 anos.
É o caso de Adja. A jovem só entrou na escola aos 14 anos e agora, com 19 anos, só tem o terceiro ano do ensino primário. Infelizmente, a escola da aldeia de Padjama só tem aulas até ao 4º ano. As crianças para além deste ano devem frequentar uma escola vizinha, a 14 quilómetros de distância, que tem a 5.ª e 6.ª classe. O Programa de Aprendizagem Acelerada dará a adolescentes e jovens como Adja a oportunidade de terminarem os seus estudos nas suas comunidades.
"Agora as raparigas estão todas muito bem educadas e instruídas", diz Fatumata Djau. A mulher de 65 anos representa o grupo de mães da aldeia de Cutame, também na região de Gabu, e diz estar satisfeita com o trabalho que a ANADEC tem vindo a realizar.
O apoio dos pais é essencial. O projeto reconhece a necessidade de uma mudança fundamental no comportamento e investe ativamente na educação dos pais para prevenir conflitos intergeracionais. Isso significa que os voluntários da ANADEC têm conversas regulares com os pais, anciãos da comunidade e líderes tradicionais, onde compartilham o que estão a ensinar às raparigas. O objetivo é dotar os pais de ferramentas para responder às questões das adolescentes sem julgamentos, e ajudá-los a compreender e proteger os direitos das crianças e raparigas.
Em Cutame, as adolescentes decidiram encenar uma peça para vencer a timidez. Dentro da escola da aldeia, e na frente de seus pais, professores e líderes comunitários, elas realizaram um show sobre os direitos das crianças, para mostrar o que aprenderam com a ANADEC.
Uma Embalo, de 16 anos, conta-nos que as raparigas se encontram duas vezes por semana na escola de Cutame e que adora as reuniões. Ela está agora na 5ª classe e quer ser médica no futuro. Ela está feliz pela sua família não a estar a obrigar a casar-se tão cedo.

O aumento significativo de raparigas a frequentar a escola é também resultado da mudança comportamental que ocorre nas duas aldeias. Antes do início das atividades, a escola de Padjama tinha cerca de 150 alunos e a maioria eram meninos. Agora, são mais de 450, entre rapazes e raparigas. Em Cutame, a escola tem agora mais alunos e até começou a dar aulas à noite para homens e mulheres adultos.
Com estes diálogos comunitários juvenis, as raparigas adolescentes têm espaço para crescer e desenvolver-se, sem medo nem vergonha. "Gosto muito das conversas", diz Adja, enquanto Fanta e Cadidja sorriem e concordam.