Protecção da criança
Para toda criança, dignidade

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Situação da protecção da criança em Moçambique
Apesar do recente progresso socioeconómico registado em Moçambique, 48 por cento de todas as crianças vivem na pobreza absoluta, o que torna essas crianças particularmente vulneráveis. Além disso, algumas delas perdem a sua primeira linha de protecção – os seus pais. As crianças podem perder a protecção, o cuidado e o carinho dos pais por muitas razões, incluindo a pobreza, emergências, violência doméstica, ruptura familiar, práticas tradicionais prejudiciais / normas sociais e competências familiares inadequadas. As crianças com deficiência e as raparigas são particularmente vulneráveis devido a atitudes culturais profundamente enraizadas em relação aos papéis de género.
Os órfãos também estão entre os mais vulneráveis em Moçambique, onde se estima que o número de órfãos que perderam um ou ambos os pais se situa em 2 milhões. Outras 700.000 crianças estão em risco de serem abandonadas devido ao facto de os seus cuidadores serem idosos, ao HIV na família e/ou à deterioração das circunstâncias socioeconómicas. A pobreza e a crise de órfãos também contribuem para o trabalho infantil explorador. De acordo com o Inquérito de Indicadores Múltiplos de Moçambique (MICS) de 2011, 24 por cento das crianças dos 5 aos 14 anos estão envolvidas em alguma forma de trabalho para a obtenção de renda para si ou para as suas famílias.
As raparigas também são particularmente vulneráveis, especialmente as órfãs. É provável que estejam expostas a comportamentos de risco, incluindo o sexo comercial ou o casamento prematuro. Moçambique tem uma das taxas mais elevadas de casamento prematuro do mundo, afectando quase uma em cada duas raparigas, e tem a segunda maior taxa na sub-região da África Oriental e Austral. Cerca de 48 por cento das mulheres em Moçambique com idades entre os 20 e os 24 anos já foram casadas ou estiveram numa união antes dos 18 anos e 14 por cento antes dos 15 anos (IDS, 2011).
No entanto, qualquer que seja o seu passado, as raparigas são particularmente propensas a sofrer abusos e violência. De acordo com o IDS de 2011, a incidência de violência contra as mulheres e crianças é percebida como sendo grande, com uma em cada três raparigas ou mulheres dos 15 aos 49 anos a reportar que foram vítimas de violência num determinado momento da sua vida. O tipo de violência é principalmente sexual, muitas vezes ocorrendo em casa ou numa comunidade. Na sua maioria, os perpetradores são membros da família do sexo masculino, por exemplo, um irmão mais velho, pai, tio ou padrasto. Apesar dos progressos registados nesta área, a impunidade dos perpetradores continua a constituir um problema na luta contra a violência contra as crianças e mulheres.
Por último, um outro grupo significativamente vulnerável é o das crianças que entram em contacto com a lei, seja como vítimas ou testemunhas de crimes, presumíveis infractores ou terceiros. Muitas vezes, eles não possuem protecção adequada, uma vez que a resposta e a coordenação multi-sectoriais entre os actores do sector de bem-estar e da justiça ainda são relativamente inadequadas para lidar correctamente com os casos juvenis.
Prioridades do programa 2017–2020
A visão de longo prazo do programa de Protecção da Criança é que até 2020, as crianças mais pobres e mais marginalizadas beneficiam de um sistema de protecção da criança e social (dinheiro e cuidados) mais eficaz em todo o país. Para ajudar a realizar esta visão de protecção infantil, o UNICEF apoia um ambiente protector holístico de políticas e leis, regulamentos, serviços formais e informais e a promoção de boas prácticas familiares.
Assim, o programa de apoio deve ter em conta os factores sociais e económicos existentes em Moçambique que tornam as crianças vulneráveis e ao mesmo tempo exploram maneiras de reduzir a vulnerabilidade da criança à violência e ao abuso e aumentar a sua resiliência. O objectivo é impulsionar o desenvolvimento físico, intelectual e emocional das crianças e capacitá-las para que beneficiem do desenvolvimento social e económico do país.
Uma prioridade é acelerar o registo de nascimento, fortalecendo a implementação de um sistema de registo civil digitalizado. Além de ser o primeiro reconhecimento da existência de uma criança, o registo de nascimento ajuda a garantir que as crianças sejam contadas e tenham acesso a serviços básicos como saúde, segurança social e educação. Registar a idade de uma criança também contribui para protegê-la do risco de trabalho infantil, de ser tratada como adulta no sistema de justiça, ou de ser recrutada para as forças armadas, bem como de casamento prematuro, do tráfico e da exploração sexual. Em suma, o registo de nascimento é um “passaporte para a protecção” de uma criança.
Pôr termo à violência contra as crianças e o casamento prematuro é outra prioridade. Existe uma grande necessidade de sensibilizar as comunidades sobre a prevalência do abuso e da violência, bem como capacitar os membros da comunidade, as famílias e as crianças para que denunciem e resolvam tais violações. Os sistemas de protecção da criança a todos os níveis, nas comunidades e em todo o país serão apoiados para providenciar uma resposta efectiva.
A pobreza é um factor importante que leva a que sejam negados os direitos básicos das crianças, tornando-as extremamente vulneráveis a abusos. Por conseguinte, o UNICEF priorizou o apoio à protecção social para as crianças que vivem em situação de pobreza e/ou sofrem com o impacto de desastres recorrentes que atingem Moçambique.
O fortalecimento dos serviços de justiça para as crianças constitui uma outra área prioritária. Tal inclui a elaboração de procedimentos sensíveis às crianças destinados às que entram em contacto com a lei como vítimas, testemunhas ou em conflito com o sistema de justiça.
A fim de apoiar estas prioridades, o UNICEF apoiou a operacionalização de três políticas governamentais recentemente aprovadas: a Estratégia Nacional de Protecção Social Sensível às Crianças, a Estratégia Nacional de Prevenção e Eliminação do Casamento Prematuro e os Regulamentos de Cuidados Alternativos. Além disso, o UNICEF prestou assistência técnica ao plano de acção nacional para o Registo Civil e Estatísticas Vitais.
As estratégias serão informadas através da criação de uma base de evidências destinada a avaliar a capacidade e as lacunas existentes em várias instituições. O objectivo é garantir o desenvolvimento de um sistema integrado que atenda a múltiplas vulnerabilidades da criança. Por isso, os serviços serão interligados para responder às necessidades holísticas da criança e da sua família. A implementação de um sistema integrado de gestão de casos é um elemento central da programação.
As principais áreas de apoio são:

O lançamento de um sistema de registo civil e estatísticas vitais (CRVS) com o objectivo de torná-lo operacional em todo o país.
Isto será alcançado através de uma abordagem em duas vertentes: apoio contínuo ao programa regular de registo de nascimento, aliado à implantação do sistema de registo digitalizado. O apoio do UNICEF inclui a formação e capacitação de pessoal de registo civil e pessoal de saúde em matéria de legislação revista e uso de um eCRVS modernizado, com base nos manuais de formação recém-produzidos. Também inclui a comunicação para a formulação de estratégias de desenvolvimento que visam uma maior sensibilização e advocacia nas comunidades, conservatórias e centros de saúde.

Uma estratégia nacional de protecção social sensível às crianças operacionalizada em seis províncias alvo.
Este objectivo será alcançado aliando os elementos complementares programáticos de dinheiro e cuidados definidos na Estratégia Nacional de Protecção Social recentemente aprovada. Também implica o apoio à concepção e implementação de subvenções infantis com um sistema de informação digitalizado e de gestão de casos, bem como a implementação do Regulamento de Cuidados Alternativos para crianças que são privadas temporária ou permanentemente dos cuidados dos pais biológicos.

Uma colaboração multissectorial entre o governo e a sociedade civil para prevenir e combater a violência contra as crianças, o casamento prematuro e outras práticas prejudiciais.
Abordar a violência contra as crianças e transformar as normas e práticas sociais que são potencialmente prejudiciais para as crianças requer o envolvimento e a colaboração de uma ampla gama de actores diversos, incluindo ministérios, actores do sistema de justiça, sociedade civil, líderes tradicionais e religiosos, órgãos de informação, juventude e adolescentes. O UNICEF apoiará o estabelecimento e/ou o fortalecimento de mecanismos de coordenação multi-sectoriais a nível nacional e nas províncias alvo para implementar a Estratégia Nacional de Prevenção e Eliminação do Casamento Prematuro e responder efectivamente à violência contra as crianças.

Serviços de justiça para atender a crianças em contacto ou em conflito com a lei.
O UNICEF trabalha em estreita colaboração com todos os actores do sistema de justiça – nomeadamente a polícia, o judiciário, o Ministério Público, a medicina forense e os provedores de assistência jurídica – para melhorar o acesso à justiça para as crianças vítimas de violência e abuso, bem como para as crianças que entram em conflito com a lei. Após a adopção do Regulamento de Cuidados Alternativos em 2015, que estabelece um quadro para a resposta estatutária aos cuidados, protecção e colocação de crianças, também foi criada uma oportunidade para o UNICEF apoiar a capacitação institucional nesta área crucial.
Juntamente com a capacitação das instituições do sector da justiça e o desenvolvimento de procedimentos e práticas amigas da criança, o UNICEF também trabalha para promover a sensibilização das crianças e comunidades em relação aos seus direitos e fortalece as vias de denúncia e a referência de casos, nomeadamente através do apoio à Linha Fala Criança Nacional. A prestação de assistência jurídica para aceder ao sistema constituirá uma outra componente importante do trabalho, com base em parcerias com o governo e os fornecedores da sociedade civil.
O casamento prematuro desfaz sonhos e ameaça a saúde

Lavela Manuela não pretendia ficar grávida nem se casar enquanto ainda frequentava a escola, mas continuou a estudar – pelo menos no início – antes de a gravidez começar a ver-se. Depois parou de frequentar as aulas até receber uma visita do presidente do conselho de escola, Paulinho Macalia, que a convenceu a voltar para a escola.
Embora com 17 anos, Lavela frequentava apenas a 6ª classe e ainda tinha mais um ano na escola primária. Só tinha começado a ir à escola com 10 anos, quando foi morar com a tia. A mãe, que sofre de uma doença crónica, nunca a mandou para a escola.
Estando grávida de seis meses, Lavela admite que estava preocupada em voltar para a sala de aula. “Eu pensei que as outras crianças iriam provocar-me. Mas eu queria estudar porque o meu sonho é ser professora. Eu gosto de brincar com crianças “, diz ela, sorrindo. É a única vez que ela sorri durante a entrevista e o sorriso desaparece com a mesma rapidez com que surgiu.
Lavela explica que assim que se mudou da casa da tia no ano passado para viver com o marido, Celestino, de 23 anos, abandonou a escola para nunca mais voltar, apesar dos esforços do conselho de escola local.
E ela perdeu o bebé. Lavela entrou em trabalho de parto prematuramente. Uma vez que o centro de saúde mais próximo fica a 12 quilómetros de distância e a família não tinha transporte, chamaram uma parteira tradicional para fazer o parto do bebé em casa. Lavela nunca tinha ido a uma consulta pré-natal e não procurou conselho médico depois de perder o bebé. “Eu não sabia disso”, diz Lavela, simplesmente.
Ela passa agora os seus dias na machamba a praticar agricultura e a realizar tarefas domésticas pesadas, como ir procurar lenha e buscar água na sua remota aldeia rural em Napai, a cerca de 64 quilómetros da capital da província, Nampula.
A história de Lavela não é fora do comum. A província de Nampula, no norte do país, apresenta umas das taxas mais elevadas de casamentos prematuros, com muitas raparigas casadas ainda mais cedo do que Lavela no início da puberdade, logo após a realização dos ritos de iniciação tradicionais. A nível nacional, e de acordo com o Inquérito Demográfico e de Saúde (IDS, 2011), quase metade (48%) das mulheres entre os 20 e os 24 anos reportaram terem se casado antes dos 18 anos de idade.
Custa 25 mil doláres americanos para garantir a prestação de serviços de polícia amigos da criança devidamente treinados e equipados através de balcões únicos de atendimento a nível distrital para uma população média de 100.000 pessoas.
“O casamento prematuro (uniões formais e informais) é uma violação fundamental dos direitos humanos”, diz Edina Kozma, Especialista de Protecção da Criança do UNICEF. “Muitas vezes significa negar às crianças o direito à educação, de brincar e de apenas serem crianças. A gravidez precoce também pode levar a sérios problemas de saúde ou mesmo resultar na morte do bebé e/ou da mãe”.
Kozma explica que apoiar os esforços do governo no sentido de acabar com o casamento prematuro é, portanto, uma das principais prioridades do UNICEF. “Estamos a trabalhar a todos os níveis com o governo e os líderes comunitários, incluindo os líderes religiosos, com vista a mudar a percepção e o comportamento das pessoas. Isso inclui capacitar as raparigas e as mulheres economicamente e também criar condições que lhes permitam ter algo a dizer nas decisões críticas que afectam as suas vidas”.
Macalia, presidente do conselho de escola que inicialmente convenceu Lavela a voltar para a escola, admite que manter as raparigas na escola é um desafio, especialmente se elas engravidarem. “Eu disse-lhe (Lavela) que devia continuar com os seus estudos e conversei com outras pessoas para motivá-la”.
Lavela também contou com o apoio da tia, Delfina Paissa. “Mandei-lhe para a escola porque esperava que ela depois pudesse conseguir arranjar emprego”. No entanto, Paissa também tinha influenciado Lavela a casar-se quando disse que “O homem responsável pela gravidez tem de assumir a responsabilidade”.
Embora exista a paridade de género nas primeiras classes, na escola de Lavela a diferença de género é mais acentuada na 7ª classe. Em 2017, por exemplo, na 1ª classe havia 253 rapazes em comparação com 273 raparigas, mas na 7ª classe havia 18 rapazes e apenas 5 raparigas.
Eugénia Paulo, uma professora da escola, diz que muitas vezes conversa com as alunas encorajando-as a não casar antes de terminarem os seus estudos. Ela continua e afirma que muitos factores não lhes são favoráveis. Paulo destaca que mesmo as que querem terminar o ensino primário e continuar no ensino secundário muitas vezes não podem fazê-lo, pois não há uma escola secundária nas proximidades e muitas crianças não têm familiares ou pessoas com quem possam ficar e os pais não têm condições de pagar um alojamento alternativo. “Os pais também pressionam os filhos e dizem que não vale a pena continuar os estudos, pois no fim não conseguirão arranjar emprego”.
Custa Menos de 1 dolár americano para registar o nascimento de uma criança.
Cardoso Armando, da Direcção de Acção Social local, destaca a necessidade de adaptar os ritos de iniciação. “As raparigas aprendem durante a cerimónia de ritos que após a primeira menstruação, estão prontas para uma relação sexual. Estas mensagens incentivam-nas a experimentar, engravidam e então são forçadas a casar-se”.
No que diz respeito a Lavela, ela parece ter aceitado que com o casamento, a sua juventude acabou. Embora Lavela diga que gostaria de ter uma oportunidade de voltar a estudar, não tem qualquer esperança. Nem o marido Celestino, de 23 anos, que teve que abandonar a escola aos 12 anos quando os pais se mudaram. Ele explica que teria que caminhar quatro horas de e para a escola todos os dias. Quando lhe foi perguntado se achava que seria possível ele ou Lavela voltarem a estudar, pensa por um momento e depois diz suavemente: “Acho que não temos as condições necessárias em casa para voltar à escola”.
Um relance sobre a protecção da criança em Moçambique
Famílias que vivem abaixo da linha de pobreza | 46% |
Crianças que não vivem com os pais biológicos | 2 milhões |
Trabalho infantil | 22% |
Violência contra mulheres e raparigas (15-49) | 1 em 3 |
Prevalência do casamento prematuro (<18 anos) | 48% |
Crianças menores de 5 anos cujos nascimentos estão registados (2011) | 48% |