Nutrição
Para cada criança, nutrição

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Situação nutricional em Moçambique
A desnutrição crónica em Moçambique manteve-se relativamente inalterada durante os últimos 15 anos. Níveis extremamente elevados de desnutrição crónica (43 por cento) em Moçambique afectam quase uma em cada duas crianças menores de 5 anos. Além de contribuir para mortes infantis e para uma má saúde da criança, a desnutrição crónica tem um impacto prejudicial no aproveitamento escolar, na renda familiar e perpetua o ciclo de privação intergeracional.
Embora a desnutrição crónica constitua um desafio a nível nacional, é mais acentuada nas crianças que vivem nas províncias do norte, nomeadamente Nampula, Cabo Delgado, Niassa e Zambézia, onde a prevalência é o dobro da de Maputo, província do sul, e nas famílias pobres cujo risco de desnutrição crónica é o dobro do das famílias mais ricas.
As razões da desnutrição crónica são muitas e complexas. Um grande desafio é que 81 por cento da população depende da agricultura para a sua subsistência e mais de 95 por cento das culturas alimentares são produzidas em condições de sequeiro, num país que é assolado por cheias e secas frequentes. Além disso, as más condições de saneamento e higiene estão na origem da diarreia; além de ser uma das principais causas de mortalidade infantil, episódios repetidos de diarreia estão também associados à desnutrição crónica.
Uma outra causa importante da desnutrição crónica é a inexistência de práticas alimentares adequadas de lactentes e crianças. Menos de metade das crianças menores de 6 meses tiveram amamentação exclusiva e apenas 13 por cento das crianças de 6–23 meses recebem uma dieta mínima recomendável. Esta situação é aliada à fraca cobertura das actividades integradas de comunicação para a mudança do comportamento, em que as mensagens de educação nutricional atingiram apenas 18 por cento das crianças nas escolas.


Prioridades do programa 2017–2020
Trabalhando com o Governo de Moçambique e em colaboração com outros parceiros, o UNICEF procurará melhorar a situação nutricional de todas as crianças e mulheres através da criação de um ambiente propício que resulte em acções nutricionais baseadas em evidências, sustentáveis e multi-sectoriais providenciadas em larga escala. Através do movimento global “Expandindo a Nutrição” (Scale-up Nutrition/SUN), Moçambique comprometeu-se ao mais alto nível a melhorar os programas de nutrição por meio do alinhamento de vários actores, propondo políticas e legislação e incrementando rapidamente intervenções nutricionais efectivas.
A nutrição apoiará o objectivo quinquenal do governo de reduzir a desnutrição crónica em crianças menores de 5 anos para 35 por cento até 2020 e de atingir as seis metas de nutrição materna, de lactentes e crianças da Assembleia Mundial da Saúde, em conformidade com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
As principais áreas de apoio destinam-se a:

Capacitação institucional para coordenar, monitorizar e avaliar as políticas e planos de acção multi-sectoriais de segurança alimentar e nutricional do governo.
O UNICEF formará parceiros do governo e de implementação fundamentais em matéria de planificação, gestão e liderança de programas e providenciará orientação técnica.
Adopção e implementação de políticas, legislação e estratégias nacionais relacionadas com a nutrição e com base em evidências.
O foco é usar evidências para garantir que as necessidades dos mais desfavorecidos sob o ponto de vista nutricional sejam atendidas e que as práticas nacionais de nutrição, incluindo políticas com impacto na nutrição infantil, tais como as políticas agrárias e de protecção social, sirvam para melhorar o estado nutricional das crianças mais vulneráveis.

Os provedores de serviços e as comunidades devem fornecer serviços de alimentação de lactentes e crianças.
O foco incide no apoio aos cuidadores e comunidades para que forneçam cuidados e práticas alimentares adequados às crianças, em particular durante os primeiros 1.000 dias da vida de uma criança. Isto inclui melhorar a Alimentação de Lactentes e Crianças através da comunicação para a mudança do comportamento e social.
Outras iniciativas fundamentais incluem o aconselhamento nutricional de base comunitária, com uma sensibilidade particular em relação às mães que vivem com o HIV; suplementação de micronutrientes, incluindo o fornecimento de pós multi-micronutrientes, vitamina A e desparasitação, suplementos de ferro e ácido fólico; e fortificação alimentar para todas as crianças. Existe ainda um impulso renovado em relação à iodização universal do sal. O UNICEF também continuará a apoiar o tratamento da desnutrição aguda de crianças menores de 5 anos através da capacitação de profissionais de saúde em matéria de tratamento de qualidade e fornecimento de Alimentos Terapêuticos Prontos.
Empoderamento das mães para combater a desnutrição

Juliana, de 22 anos e mãe de quatro filhos, está à beira das lágrimas ao contar à nutricionista os problemas que ela enfrenta para alimentar a sua filha Eva de 18 meses. (Os nomes Juliana e Eva foram trocados para proteger a sua privacidade).
Embora Juliana tenha um aspecto elegante, com o cabelo cuidadosamente trançado e olhos grandes e lindos, ela está magra. E a bebé, Eva – que tem um sorriso encantador enquanto espreita para fora da capulana verde (pano tradicional de algodão) em que a Juliana a carrega – é pequenina, com cabelos descolorados e bochechas afundadas.
Juliana levou a Eva ao centro de saúde de Nicoadala, na província central da Zambézia, para o controlo do seu crescimento. Enquanto espera para ser chamada para ouvir o resultado da consulta, o nutricionista Edgar Caetano conversa com ela.
Juliana gradualmente começa a confiar no nutricionista, Caetano, de idade igual à sua, escuta e oferece os seus conselhos sem julgar. Ele também brinca com a bebé Eva. Juliana diz “Dou-lhe para comer papinha de milho ou arroz, verduras e feijão.” Também amamentou exclusivamente a Eva durante os primeiros seis meses.
Contudo, depois de sondar com jeito, Caetano constata que Juliana apenas dá de comer a Eva duas vezes por dia – de manhã e de tarde. “À noite ela já está a dormir,” diz Juliana. Caetano diz-lhe que não é suficiente e destaca a importância de alimentar pelo menos três vezes ao dia, juntamente com outras refeições leves nutritivas.
Eu amamentei exclusivamente a minha pequena Eva (18 meses) durante os primeiros seis meses.
Juliana, que teve o seu primeiro filho quando tinha apenas 14 anos, também explica que vive com o HIV. Frequentou com sucesso o programa de Prevenção da Transmissão Vertical (PTV) do HIV quando estava grávida e a Eva nasceu seronegativa. No entanto, Juliana tem dificuldades em fazer o tratamento anti-retroviral para a sua infecção pelo HIV. “Vomito tanto que agora só consigo comer uma vez por dia,” diz ela e acrescenta, “Sinto-me muito fraca para ir trabalhar na machamba.” E este é um problema, já que ela e os seus quatro filhos dependem da machamba para a sua sobrevivência. Além disso, o marido, que é carpinteiro, já não vive com eles. “Ele vive com outra mulher,” diz ela e de novo os olhos enchem-se de lágrimas.
Na clínica só está um pai com o seu filho na altura da nossa entrevista; o seu nome é Benedito Lindo. Sentado ligeiramente afastado das mães que estão a conversar enquanto esperam pelas suas consultas, Benedito segura no colo o filho de 14 meses, Aguinele, perto do peito. “A minha mulher está doente com febre, mas nunca faltámos à consulta de nenhum dos nossos filhos, por isso tive que vir,” diz Benedito. Também trouxe o Aguinele para o controlo do crescimento e aconselhamento nutricional. Acrescenta que o filho tomou todas as vacinas.

A desnutrição infantil é complexa e tem inúmeras causas, diz Mathieu Joyeux, especialista em nutrição do UNICEF. “Em Moçambique, quase metade das crianças menores de 5 anos sofrem de desnutrição crónica, o que significa que a criança é demasiado baixa para a sua idade. É a nona taxa mais elevada de África.”
Ele enfatiza que “Se essas crianças não estiverem a receber uma dieta mínima adequada, cuidados e prevenção e/ou tratamento de doenças durante o primeiro período de 1.000 dias desde a concepção, a criança pode sofrer de desnutrição crónica, o que leva a consequências cognitivas e físicas negativas para toda a vida. Isto é uma tragédia não apenas para a criança mas também para o desenvolvimento de Moçambique: uma estimativa recente estabeleceu que se perde até 8 por cento do PIB de Moçambique devido à desnutrição. Por conseguinte, o apoio do UNICEF para fazer face ao problema de desnutrição infantil centra-se nesta janela de oportunidade crucial.”
Em Moçambique, quase metade das crianças menores de 5 anos sofrem de desnutrição crónica, o que significa que a criança é demasiado baixa para a sua idade.

Neste dia, debaixo da sombra de uma árvore fora do centro de saúde, as mães beneficiam de uma demonstração de preparação de alimentos feita por Ancha Pinto, uma jovem mãe de quatro filhos que está a preparar uma enorme panela de papas com todo o tipo de ingredientes nutritivos. Ela interage de uma forma vibrante com um grupo de mães, todas elas com bebés, no programa de desnutrição moderada e grave.
Ancha mexe na panela de papas com tal vigor que até se pode pensar que é uma trabalhadora remunerada. Mas não é; ela faz isso para ajudar as outras mães. “Gosto de fazer isto porque estou a ajudar as outras mães que têm problemas com a alimentação e enquanto faço, estou a aprender ao mesmo tempo,” diz ela.
Por exemplo, Ancha diz “Antes eu não sabia que se podia misturar ovos e bananas na papas e também verduras e mandioca. Eu só usava papas, açúcar e sal.” Após a preparação, Ancha serve as papas para os bebés em copos de plástico. Eles saboreiam-nas.
Entretanto, Caetano aconselhou a Juliana para marcar uma consulta com o médico para mudar o seu tratamento ARV. E porque Eva sofre de desnutrição aguda grave, uma patologia extremamente grave se não for tratada, Juliana recebe saquetas de alimentos terapêuticos prontos. Trata-se de um alimento de alta energia, à base de amendoim que a Eva tem que tomar enquanto recebe outro tratamento médico. A vantagem deste tratamento é que Juliana pode dar a Eva em casa. Além disso, Juliana também poderá beneficiar de aconselhamento individual e de grupo sobre a alimentação infantil de uma outra mãe, possivelmente Ancha.
Todas estas intervenções permitirão que Juliana alimente a sua bebé Eva até que esta volte a recuperar a sua saúde.
Um relance sobre a nutrição em Moçambique
Famílias com insegurança alimentar | >50% |
Nível de desnutrição crónica | 43% |
Crianças com amamentação exclusiva nos primeiros seis meses |
<50% |
Cobertura de sal iodado | <50% |
Nível de produtos alimentares fortificados com ferro |
<25% |
Crianças de 6–23 meses que recebem uma dieta mínima aceitável |
13% |
Crianças nas escolas abrangidas por mensagens de educação nutricional |
18% |
Acesso ao saneamento melhorado nas zonas rurais |
10% |
Acesso ao saneamento melhorado nas zonas urbanas e peri-urbanas |
42% |
Fontes:
Avaliação Alimentar e de Segurança Alimentar de Base do SETSAN (2013); Inquérito Demográfico e de Saúde (2011).