“Virei mobilizador para mostrar ao meu povo seus direitos”
Gregory é um dos 16 mobilizadores comunitários capacitados para transmitir informações e alertar o UNICEF e parceiros sobre desafios enfrentados pela comunidade migrante e refugiada da Venezuela
É manhã de segunda-feira no abrigo da Operação Acolhida Jardim Floresta, em Boa Vista, Roraima. Enquanto crianças e adolescentes dividem uma quadra esportiva e brincam ao som de uma música famosa, Gregory Franco se prepara para mais um dia de mobilização. Aos 19 anos, o jovem de etnia indígena Taurepang assumiu um compromisso de que se orgulha e que considera importante: o de ouvir as pessoas e levar informação confiável para a comunidade onde mora. Ele vai de tenda em tenda, onde vivem as famílias abrigadas, para convidar os refugiados e migrantes da Venezuela a fazer parte do grupo de troca de mensagens onde ele manda informações de interesse da comunidade.
Ele é mobilizador, um voluntário atuante da Estratégia de Mobilização Comunitária com Participação de Adolescentes (CMAPS). Com o tablet na mão e trajando seu colete de identificação, Gregory percorre todo o abrigo anotando os anseios da sua comunidade e repassando as informações sobre acesso a serviços, vacinação e direitos da infância e adolescência. Após as rodadas de conversa, ele retorna para sua tenda e organiza tudo que anotou, ouviu e pensou durante o caminho para definir como será o seu trabalho da semana e o que será levado para o supervisor da estratégia.
Gregory saiu da Venezuela em fevereiro de 2023, motivado a cuidar da saúde e a buscar melhores oportunidades para a sua educação. Foi assim que ele chegou ao Brasil e passou a viver como refugiado no abrigo indígena. Nesse período, observou que a comunidade é formada por uma grande riqueza de etnias de indígenas venezuelanos vivendo no Brasil, como os Pémons, E’ñepas, Waraos, Ka’riñas e Taurepangs, como ele.
“Foi uma das coisas que me motivaram a me tornar mobilizador. Percebi que muitos não recebiam as informações de maneira adequada por falar apenas o seu dialeto e não entender o espanhol. Queria ajudar aquelas pessoas a conhecerem seus direitos e foi quando em uma roda de conversa soube que havia vagas para a CMAPS”, disse.
Em apenas quatro meses como mobilizador, Gregory teve muitos desafios: perdeu o medo de falar com pessoas, aprendeu a fazer planejamento e exercita sua criatividade diariamente para tentar ajudar a solucionar os problemas que encontra na sua comunidade. Ele conversa com os moradores, se reúne com as lideranças indígenas e as equipes que administram o abrigo, e pensa, junto com a Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (ADRA) e Instituto Pirilampos, parceiros do UNICEF, em como enfrentar os desafios presentes em sua comunidade.
“Participei de muitas ações, como a lavagem de mãos e o enfrentamento da defecação a céu aberto, que são particularmente grandes desafios aqui no abrigo”, disse.
Hoje, as pessoas do abrigo o procuram para tirar dúvidas sobre os direitos de refugiados e migrantes no Brasil e sugerir temas para serem trabalhados por ele.
“As pessoas já me veem como um ponto de referência. Me procuram para saber como podem utilizar o Sistema Único de Saúde (SUS), onde podem se vacinar, como conseguir benefícios sociais. Vou anotando tudo aquilo que eu vou percebendo que pode ajudar mais pessoas e desenvolvendo mensagens para espalhar no nosso grupo de WhatsApp, onde está a maioria das pessoas do abrigo. E para quem fica com dúvidas, marco um horário e faço grupos de conversa, onde todos podem ouvir e ser ouvidos também”, conta.
Ele usa o local que ocupa para falar com os adultos, de quem ganhou respeito e confiança, sobre os assuntos que envolvam o bem da comunidade e da juventude.
“Tento chamar a atenção deles principalmente para temas como a saúde e a educação. Faço rodas de conversa com crianças, adolescentes e adultos, desenvolvo jogos lúdicos para ensinar as crianças sobre um assunto específico e uso minha criatividade para alcançá-los de alguma forma com as informações que eles precisam saber. Com isso, tenho visto mudanças positivas, como os grupos estarem se organizando para manterem o abrigo sempre limpo e outros que se esforçam para procurar informações e matricularem seus filhos na escola, que é um direito essencial de todos eles”, disse.
U-Report
Além da mobilização comunitária, Gregory também participa do projeto do U-Report Uniendo Voces, uma plataforma global do UNICEF implementada em parceria com a Organização Internacional de Migrações (OIM) e o Escritório das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), que trabalha para transformar as vidas de jovens ao redor do mundo. Ele ajudou a realizar uma das quatro pesquisas que contaram com a participação de mais de 1.000 pessoas no último ano: de saúde mental e perspectivas de vida de jovens refugiados e migrantes.
“Eu conheci o U-Report pela CMAPS, que foi onde conheci outros migrantes ao redor do Brasil. Aqui no abrigo, motivei outros jovens a participarem das enquetes e a conhecerem a plataforma, para tirar suas dúvidas e lidar com questões emocionais, conversando com o Gigante, o bot do U-Report”, explicou.
Gregory explica que as experiências que viveu nos últimos meses o ajudaram a se desenvolver profissionalmente e que pretende se aperfeiçoar ainda mais.
“Quero estudar mais, aprender português e me estabelecer no Brasil. Penso em fazer um ensino superior voltado para a educação, porque me descobri nisso. Quero continuar ajudando pessoas através do meu trabalho”, planeja Gregory.
O U-Report Uniendo Voces é uma ferramenta de informação e participação social para jovens e adolescentes refugiados e migrantes da Venezuela que vivem no Brasil. As enquetes são realizadas virtualmente pelas redes sociais sempre de forma voluntária, gratuita e anônima. Por meio da interação com um chatbot chamado “Gigante”, os participantes também acessam informações atualizadas e confiáveis sobre serviços e direitos, incluindo saúde mental. A iniciativa é ainda implementada pela plataforma R4V no Equador, Peru, Bolívia e México. Originalmente, o U-Report é uma ferramenta criada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) em 2011, estando presente hoje em mais de 90 países. Os canais para interação no Brasil, onde o projeto é implementado pela Viração Educomunicação, são: Facebook e WhatsApp: https://bit.ly/36WEipC.
A estratégia conta com o apoio financeiro do Governo dos Estados Unidos e da União Europeia, por meio do Escritório para População, Refugiados e Migração do Departamento de Estado dos Estados Unidos (PRM, na sigla em inglês) e do Departamento de Proteção Civil e Ajuda Humanitária da União Europeia (Echo, na sigla em inglês).