“Senti que precisava ajudar”

Participante do Geração que Move, a jovem Moanan Couto conta como descobriu sua força e a importância de mais jovens reivindicarem seus direitos durante a pandemia da Covid-19.

UNICEF Brasil
Moanan no projeto Geração que Move
UNICEF
25 fevereiro 2021

“Fico mais tempo no transporte público para ir e voltar do estágio do que o tempo que eu passo lá trabalhando”, conta a jovem Moanan Couto, 20 anos, moradora de Santa Cruz, Zona Oeste do Rio. Estudante do terceiro período de direito, na Uerj, ela finalmente conseguiu um estágio na área durante a pandemia, mas confessa que não sabe como seguirá quando voltar o horário integral. Além das tantas horas gastas para atravessar a cidade - uma saga que inclui dois ônibus, trem e BRT -, o alto gasto com deslocamento não parece compensar diante da remuneração oferecida. Contudo, apoiada pela mãe, dona de casa, e pelo pai, balconista, Moanan tem conseguido juntar esforços para abraçar a oportunidade do primeiro emprego em um escritório de advocacia.

O ingresso no ensino superior não foi fácil. A falta de confiança em sua capacidade de chegar à universidade remonta a experiências de racismo no ambiente escolar. “Na escola eu fui posta em cheque em relação a minha identidade racial. Uma pessoa próxima falou pra mim: você é preta, né? Foi tão pejorativo que me marcou muito. Entrei numa crise porque todas as pessoas ao meu redor são negras e isso nunca foi uma questão pra mim antes”, conta ela.

Também pesou a falta de reconhecimento de seus pares em relação a identidade que ela começou enfim a reivindicar para si. A pele mais clara de Moanan não parecia, aos olhos de colegas negros, suficiente para que se afirmasse enquanto negra. Ao perceber a impossibilidade de diálogo tanto com os “seus” quanto com os “outros”, a jovem pouco a pouco foi se silenciando. “Eu era uma criança alegre, curiosa, questionadora, e esse ambiente da escola me calou. Hoje me sinto muito triste quando vejo adolescentes que são negros passando por isso, ambientes que nos silenciam”, reflete Moanan.

Sonhos e projetos de carreira foram postos de lado durante esta fase da adolescência. A jovem não se sentia capaz de fazer o vestibular. Tampouco sabia o que desejava estudar. “Meu período todo do ensino médio foi de me encontrar racialmente”, lembra Moanan. O ponto de virada foi a entrada para o curso de pré-vestibular Santa Cruz Comunitário. “O pré foi fundamental pra construir tudo que eu já vinha desenvolvendo sobre identidade durante o ensino médio. Chegar numa turma e ver que tem gente de favela que conseguiu fazer faculdade e montar isso aqui, dá um exemplo muito importante pra gente”.

O Santa Cruz Comunitário abriu à jovem diversas portas. Levou Moanan não apenas a entrar na faculdade de direito da Uerj, uma das mais concorridas do Rio, mas também a desenvolver bagagem para conseguir permanecer lá. “O ambiente universitário é muito hostil pra quem vem na favela. Quando entrei pra Uerj já sabia sobre os coletivos negros lá dentro, já me juntei a eles logo no começo”.

A veia ativista de Moanan também ganhou força. Junto com um grupo de colegas desenvolveram o projeto Levante Aço. Voltado para mitigar os riscos de evasão e abandono escolar de adolescentes da Favela do Aço, pois muitos estudantes deixam a escola no início da adolescência por necessidade de inserção no mercado de trabalho e “porque o ambiente escolar não cativa”.

“Hoje a minha prioridade não é mais a faculdade, é o ativismo. Meu compromisso é pensar formas de como adolescentes da Favela do Aço podem ter acesso à cultura, emprego, lazer, educação”, afirma a jovem sem titubear.

A vontade de contribuir para a qualidade de vida da juventude do seu território também mobilizou Moanan durante a pandemia. “Senti que precisava ajudar, comecei a conversar com amigos do Aço, do Jacarezinho, de outras favelas, e começamos uma mobilização para arrecadar recursos pra distribuição de cestas de alimento”, conta a jovem. O grupo conseguiu fazer um barulho maior do que o previsto e, até agosto, arrecadaram o suficiente para atender a mais de 300 famílias continuamente.

A atuação na pandemia levou Moanan à iniciativa Geração que Move, realizada pelo UNICEF, Fundação Abertis e Arteris, em parceria técnica com a Agência Redes para a Juventude, no Rio de Janeiro. Além da faculdade e do trabalho, a jovem se desdobrou para dar conta. “Senti que era importante porque esses projetos não costumam chegar aqui na nossa região. Não tem nada aqui… essa é a realidade. Fiquei muito feliz que finalmente enxergaram nosso local”, reflete a jovem.

Os frutos do Geração que Move para Moanan foram, contudo, além do previsto. “O Geramove foi muito importante principalmente pra melhorar a forma como eu me comunico com as pessoas. Esse período do ensino médio me deixou uma pessoa mais tímida, a proposta do Geramove de ter que criar junto, mobilizar outros adolescentes, me fez trabalhar a comunicação, é uma coisa que eu tenho certeza que vai me ajudar muito ao longo da minha vida toda”, diz ela com entusiasmo, enfatizando que no projeto é convidada a explorar diversas linguagens, da oralidade ao audiovisual, passando pelas mídias sociais.

“Ver adolescentes do Aço tendo acesso à formações tipo “Narrativas e Direitos” é muito além do que a gente esperava pra um ano como esse. São nove adolescentes, não são muitos, mas o que eles estariam fazendo nesse período de pandemia se não fossem essas informações?”, se emociona a jovem.

Os resultados do trabalho já começam a ser sentidos na prática. Segundo Moanan, o grupo tem começado a buscar a efetivação de seus direitos, mostrando interesse em compreender como acessam os espaços à disposição e como reivindicam os serviços que deveriam estar sendo garantidos a eles. “São pessoas que, com o acesso à formação do Geramove, estão conseguindo reivindicar seus direitos mesmo durante a pandemia”, conclui orgulhosa.