Quando encontrar o outro é encontrar a si mesma
Educadora do Viva Melhor Sabendo Jovem, em Vitória (ES), Rayane Loiola Cruz conta a experiência na abordagem de jovens

Os agentes de prevenção do projeto Viva Melhor Sabendo Jovem foram às ruas, abordar pessoas, conversar com jovens de todos os perfis. Rayane Loiola Cruz, de 29 anos, que integrou a equipe do projeto em Vitória (ES), encontrou pessoas que se sentiam constrangidas e até ofendidas ao falar de sexualidade, muitas vezes, por causa de sua religião. Conheceu também pessoas que, ao se abrirem, acabavam descobrindo que viviam com HIV/aids, sífilis, hepatite B ou C. Muitos davam de ombros e nem sequer paravam para ouvi-la.
Com objetivo de prevenir HIV/aids e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) entre adolescentes e jovens na cidade de Vitória, o Viva Melhor Sabendo Jovem foi realizado nos últimos nove meses em Vitória pelo UNICEF e a Associação Gold, em parceria com a Prefeitura de Vitória e a Secretaria Estadual de Saúde. Contou com atuação de jovens multiplicadores, como Rayane, atuando de jovem para jovem.
Acostumada a conversar desde os 16 anos com moradores em situação de rua, por ter construído com amigos um projeto de apoio a esse grupo vulnerável nas ruas da capital do Espírito Santo, Rayane usou essa experiência em suas abordagens para convencer o máximo possível de jovens a fazer os testes.
“Era preciso ser resiliente em situações adversas, conseguir falar a língua das pessoas para cativá-las. Os primeiros a se interessar pelas testagens eram as pessoas em situação de rua. O governo já tinha algumas ações voltadas para esse público, mas nada parecido com o que o Viva Melhor Sabendo Jovem oferecia. Como eu já tinha essa familiaridade, isso me trazia segurança”, lembra Rayane, bacharel em Direito e pós-graduada em Criminologia.
Ela começou a trabalhar com direitos humanos na faculdade, ao estagiar na Defensoria Pública, no Ministério Público e na Vara de Violência Doméstica do Tribunal de Justiça. Por esse histórico, já seguia a Associação Gold e o UNICEF nas redes sociais. O trabalho como agente de prevenção do Viva Melhor Sabendo Jovem veio em um momento novo de sua vida: ela havia perdido o pai poucos meses antes, e estava recém-separada do ex-marido.
O pai, Renan Loiola, era seu “melhor amigo e conselheiro”. Tinha 53 anos quando teve um infarto fulminante. Pastor evangélico acostumado a participar de trabalhos voluntários diversos, foi com Renan que Rayane aprendeu a importância de ajudar o próximo. “Estava triste, ansiosa. Veio o projeto e mudou tudo. Juntei um pouco do sonho da minha mãe, Selma, que é enfermeira e sempre quis ter uma filha na área da saúde, com a experiência que eu já tinha em conversar com desconhecidos na rua”, conta Rayane.
Rayane também atua no Conselho Municipal de Direitos Humanos, como conselheira suplente. Ela está preocupada com o alto índice de infecção de HIV/aids nos jovens capixabas, especialmente a juventude preta. De acordo com informações de 2019 do Governo do Estado, 12.210 pessoas vivem com HIV em todo o Espírito Santo, e são tratadas com antirretrovirais nos 26 Serviços de Atendimento Especializado em Aids (SAE). São, em média, 1.200 novos casos por ano.
“Os jovens acabam não se prevenindo nessa fantasia de que não vai acontecer com eles. Mas pode acontecer com qualquer um que não se proteja. As pessoas são carentes de informação, não conhecem seu corpo, não conhecem o corpo do outro, sabem pouco sobre gravidez e IST’s. Passar esse conhecimento diretamente aos jovens é muito importante”, afirma Rayane.
Pensar nos outros é algo que ela aprendeu cedo. Cuidar dela mesmo é mais recente. Após a separação, passou a morar sozinha no bairro da Penha. Escrever tem sido sua chave para acessar o mundo interior. “A escrita me auxilia a esvaziar a mente das ansiedades e preocupações que fogem do meu controle. É o momento em que eu me permito sentir. Um resgate diário da leveza na minha vida”, ela diz.
Rayane criou uma personagem chamada Aurora. É como um segundo eu. Também significa, no dicionário, a luz que precede o nascer do sol, o começo da vida, os primeiros sinais de alguma coisa. “Faço 30 anos daqui a pouco”, reflete Rayane. “Cheguei a um momento em que completei todos os meus planos. Mas, quando pensei ter todas as respostas, a vida mudou todas as perguntas. Hoje tenho uma nova percepção do mundo”.