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Primeira infância antirracista começa na escola

No município cearense de Caucaia, a Escola Quilombola Yara Guerra Silva é um espaço de enfrentamento ao racismo e empoderamento de meninas e meninos negros

UNICEF
crianças posampara foto segurando mapa do brasil em papel
UNICEF
16 abril 2025

Há mais de três décadas, quando ainda era estudante, o educador João Gomes de Souza, de 43 anos, percorria oito quilômetros a pé para ir e voltar da escola todos os dias. À época, o Quilombo Serra da Rajada, no município cearense de Caucaia, onde nasceu e foi criado, só possuía escolas de Ensino Fundamental I, até a antiga quarta série. Quem quisesse continuar os estudos do quinto ano até o Ensino Médio encontrava muitos obstáculos pelo caminho. Hoje, João é diretor da Escola Quilombola de Educação Infantil e Ensino Fundamental Yara Guerra Silva, na mesma Serra da Rajada, onde incentiva meninos e meninas quilombolas a insistir na educação formal e atua em projetos permanentes de enfrentamento ao racismo.

A maioria dos 38 estudantes da Escola Quilombola Yara Guerra Silva, que vai do Ensino Infantil I ao nono ano do Ensino Fundamental, é negra. Ainda assim, a sala de aula não está imune ao racismo. O diretor da unidade lembra de um episódio em que um aluno branco se negava a se aproximar de meninos e meninas que não fossem de sua cor. Neste caso, a direção da escola interveio, a partir de ações educativas, e chegou a contratar uma profissional para mediar o contexto. “Essa especialista também ministrou uma palestra aos pais e mães dos alunos da escola sobre racismo e preconceito, pois sabemos que essas crianças, muitas vezes, reproduzem o que ouvem em casa”, destaca João Gomes. As campanhas de combate ao racismo são permanentes e não se limitam aos muros da escola.

No Ceará, 34 municípios que possuem em sua população especificidades étnico-raciais com a presença demarcada de povos e comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas e outros) integraram, em 2024, o piloto da estratégia Primeira Infância Antirracista (PIA). A iniciativa foi desenvolvida pelo UNICEF com apoio técnico de parceiros e por meio da parceria com a  Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. A estratégia partiu do reconhecimento de que ações contínuas e sistemáticas em âmbito municipal, particularmente associadas ao Plano Municipal da Primeira Infância (PMPI), possuem o potencial de prevenir o racismo desde os primeiros anos de vida, além de contribuírem para fortalecer identidades positivamente.

Representando o município de Caucaia, João Gomes participou das capacitações do PIA promovidas pelo UNICEF no Ceará, ocorridas entre setembro e dezembro de 2024. “Esses momentos de aprendizado são muito importantes, já que aqui (a comunidade) é um local fechado, distante e com dificuldade de acesso”, explica o gestor escolar.

Reconhecida pela Fundação Cultural Palmares em 2017 como remanescente de quilombo, a Serra da Rajada oferece, atualmente, um acesso mais amplo à educação para crianças e adolescentes, que contam com transporte escolar indo até a comunidade. O caminho continua longo até a escola, e por vezes os estudantes enfrentam interrupções sazonais do transporte, mas há avanços em relação à época de estudante de João Gomes.

“Eu tinha que andar quatro quilômetros a pé até a Tucunduba, que é um distrito próximo à sede de Caucaia, onde passava o ônibus. O ônibus escolar só ia até lá. Tínhamos que subir e descer a serra todo dia, foi uma batalha grande e muitos desistiram. Na época, eu queria muito adquirir mais conhecimentos, senão ficaria estacionado”, relata.

Filho de agricultores, ele conseguiu cursar a graduação em Letras e Literatura graças ao apoio familiar, enquanto ajudava os pais com o trabalho na roça. “Hoje há um acesso mais aberto para a educação. Eu sempre incentivo os estudantes a persistirem nos estudos, explico que eles podem tanto quanto os meninos que moram na capital”, completa João.

Segundo município mais populoso do estado, Caucaia é a cidade cearense com o maior número de quilombos: são 11 comunidades quilombolas reconhecidas oficialmente pela Coordenação das Comunidades Quilombolas do Ceará (Cerquice) e certificadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP).