Jovens brasileiros e venezuelanos contra o coronavírus e a xenofobia

Em Roraima, adolescentes e jovens brasileiros e venezuelanos estão engajados contra o novo coronavírus, disseminando informação para mitigar os impactos da Covid-19 e deixando uma mensagem contra a xenofobia

UNICEF Brasil
30 julho 2020
print da tela de uma videoconferência, com vários rostos
Coletivo Mosaico/Virginia Albuquerque
Estudantes brasileiros e venezuelanos da rede pública de Roraima em encontro online com monitores do projeto Geração em Movimento, para discutir como atuar em prol de crianças e adolescentes no contexto da Covid-19.

Para a venezuelana Leicarys Zapata, de 17 anos, o começo da vida em um novo país foi desafiador. A adolescente chegou ao Brasil com a mãe e as irmãs em maio de 2018, para reencontrar o pai, que estava neste país. Apesar da alegria de reunir a família, uma tristeza bateu por causa dos planos, projetos e amigos deixados na Venezuela. Até conseguir se matricular em uma escola brasileira, oito meses depois, Leicarys passou por momentos difíceis de adaptação, sem falar o idioma e com dificuldade para formar novos laços de amizade. “Quando entrei para a escola foi que conheci outros venezuelanos e comecei a interagir mais com os brasileiros. Foi quando comecei a falar e aprender o português”, relembra a adolescente.

Grande parte dessa interação ocorreu quando Leicarys passou a participar do projeto Geração em Movimento (G-Move), uma iniciativa do UNICEF em parceria com o Coletivo Mosaico que promove a integração entre adolescentes e jovens venezuelanos e brasileiros em escolas públicas de Roraima, o estado mais afetado pelo fluxo migratório desencadeado pela crise na Venezuela. Estima-se que estudantes venezuelanos representem cerca de 10% do total de crianças e adolescentes na educação básica da capital do estado.  

Com a chegada da pandemia, a estudante foi convidada novamente para fazer parte do projeto, mas dessa vez online, com uma missão importante: agir em sua comunidade contra o novo coronavírus.

Uma nova forma de atuar
Antes da pandemia, uma vez por semana, 11 escolas públicas da capital Boa Vista integrantes do projeto cediam um espaço para que alunas e alunos venezuelanos e brasileiros se reunissem para discutir temas importantes do cotidiano da adolescência, como bullying, saúde mental e xenofobia. Mas o fechamento das escolas, em março, exigiu a restruturação do projeto: o engajamento e a participação migraram para o mundo virtual.

Assim surgiu a campanha “Se Ligaê – Todos contra o coronavírus”, que reúne não somente estudantes brasileiros e venezuelanos de escolas públicas, que trabalham com monitores, mas também 11 mobilizadores comunitários que vivem nos abrigos da Operação Acolhida, a resposta oficial do Governo Brasileiro, Sistema ONU e sociedade civil à crise migratória do país vizinho.

Uma vez por semana, os estudantes e mobilizadores dos abrigos se reúnem por meio de videoconferência com seus monitores e discutem diversos temas essenciais para a adolescência em tempos de Covid-19, como o aumento de casos de violência e os efeitos na saúde mental de meninas e meninos. “O projeto é muito bom porque trata de temas que as pessoas têm vivido ou ouvido falar no seu dia a dia, como a violência sexual e, agora, o coronavírus”, conta Leicarys.

três jovens estão em pé, em frente a uma casa, eles usam máscaras. dois deles seguram uma camiseta azul do projeto.
Coletivo Mosaico/Virginia Albuquerque
Leicarys Zapata recebe o kit de materiais para se envolver no combate ao coronavírus e os seus efeitos na vida de crianças e adolescentes.

Ao longo dos dias, os estudantes também recebem mensagens de enfrentamento da Covid-19 por meio de aplicativos de mensagens, em espanhol e em português, que são repassadas por eles mesmos para suas redes de amigos e familiares. Foi assim, também, que surgiram os Super Move, super-heróis criados para disseminar as mensagens do projeto com informações úteis sobre a Covid-19, como o uso correto de máscaras e a lavagem de mãos, e temas como saúde mental de crianças e adolescentes e prevenção a casos de violência de abuso.

Apesar de sentir falta do contato presencial com os colegas, Leicarys se sente feliz em poder seguir com o trabalho digitalmente. “Gosto muito de participar, para que outras pessoas possam ver o papel que cada um tem e saibam do que estamos falando. Não vi ninguém ficar para trás, todos estamos investigando, participando, falando, jogando e gerando criatividade nesta quarentena,” conta.

Ajudando a promover a integração
O brasileiro Fagner Almeida é estudante de sociologia e atua como um dos oito monitores que engajam estudantes de escolas públicas no projeto. Por meio do grupo que coordena, que tem aumentado cada vez mais desde o começo do isolamento social, ele ajuda a promover ações integradas com adolescentes e jovens dos dois países. “Quinze aceitaram no começo, e hoje já participam cerca de 30 a 40 alunos. Destes, 10 são migrantes”, celebra.

Isso porque, além do combate ao coronavírus e seus efeitos, o projeto “Todos contra o coronavírus” tem como objetivo promover o intercâmbio cultural e o enfrentamento à xenofobia e à discriminação dentro e fora dos abrigos da Operação Acolhida. “Acredito que nós, em Roraima, por viver em uma tríplice fronteira, deveríamos trabalhar desde cedo o tema da xenofobia”, opina o monitor do Coletivo Mosaico. “Os estudantes venezuelanos são crianças e adolescente que já enfrentam problemas normais para a idade, e têm ainda de lidar com preconceitos”, complementa.

em uma sala, um jovem está agachado em frente a dois outros jovens, que estão sentados em cadeiras escolares.
Coletivo Mosaico
Fagner Almeida, monitor do Coletivo Mosaico, realiza atividade com estudantes antes da pandemia da Covid-19, quando as atividades tiveram de migrar para o mundo virtual.

Desde 2015, o Brasil recebeu mais de 264 mil pedidos de refúgio ou residência temporária de venezuelanos. Mais de um terço são crianças e adolescentes, como Leicarys.

Semanalmente, os monitores participam de capacitações com especialistas do UNICEF e parceiros sobre os temas que serão tratados com os adolescentes. “Isso nos mantém mais preparados para falar com os estudantes”, conta Fagner. Além disso, os monitores participam na construção de conteúdos e mensagens direcionadas à população venezuelana e local de Roraima. Por meio do WhatsApp, eles se mantêm sempre conectados com os adolescentes, que tiram suas dúvidas sobre os temas abordados na semana e atuam como replicadores das informações que receberam em suas comunidades.

Sobre o G-Move – Realizado pelo Coletivo Mosaico e o UNICEF, o projeto Geração em Movimento trabalha para que mensagens de cuidado e prevenção cheguem às famílias brasileiras e venezuelanas por meio do engajamento de adolescentes e jovens. Para isso, busca garantir que eles tenham um espaço de diálogo e integração, em espaços virtuais derivados da escola ou dos abrigos onde eles estudam ou residem. Essas ações seguirão sendo fortalecidas para promover o direito à participação e à informação de qualidade.