“A gente força nosso acesso à cidade”
Participante do projeto Geração que Move, no Rio de Janeiro, Andrey Lucas propõe estreitar a distância entre jovens periféricos e universidades com passe livre intermunicipal

Nascido em Bangu, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, Andrey Lucas costuma se definir como “um menino preto que mora longe de tudo quanto é lugar”. Não à toa a mobilidade urbana é um fator que moldou parte da trajetória do jovem de 22 anos.
Para Andrey, pensar mobilidade não diz respeito apenas à sua vivência, mas à da maioria dos jovens pretos do Rio. Desde saber se portar em determinado bairro a planejar as baldeações de um transporte para outro e desafiar a falta de acesso à cidade indo à praia de bicicleta – seu principal lazer na época em que morou na favela da Barreira do Vasco, na Zona Norte, 10 quilômetros distante da Zona Sul, onde ficam as praias que frequentava. Ele resume: “É na marra. A gente força nosso acesso à cidade mesmo”.
Andrey conta que viu seu caminho ganhar contornos diferentes do de seus vizinhos e familiares ao ser o primeiro da família a ingressar em uma universidade federal, no segundo semestre de 2018. Por um lado, a matrícula no ensino superior em Relações Internacionais representou uma chance de elevar a qualidade de vida da sua família. Já por outro, significava acordar às 4 horas da manhã para percorrer os mais de 40 quilômetros que separam a Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro da Universidade Federal Fluminense, em Niterói.
“A única coisa que eu via eram as luzes dos postes da (Avenida) Brasil passando, não dava para enxergar mais nada. E aí, quando eu pegava um ônibus para Niterói, finalmente eu via o sol nascendo lá em cima na Ponte Rio-Niterói”, relembra.
Hoje, Andrey mora mais próximo da faculdade, no Morro da Penha, em Niterói, e enfrenta outras barreiras de mobilidade, como o valor da passagem intermunicipal para chegar ao trabalho e experienciar o lazer na capital. Assim, mesmo no novo endereço, a habilidade de calcular o número de conduções e o gasto em passagens continuou sendo necessária.
Envolvido desde cedo com movimentos sociais e de empoderamento, o jovem foi um dos participantes da 2ª edição do Geração que Move. “Sempre gostei muito de projetos que ajudam a gente a alcançar nosso potencial máximo como juventude periférica”, diz.
Durante o projeto, além da formação em mobilização social, Andrey teve trocas com um grupo de jovens periféricos que, assim como ele, veem no trajeto para a universidade um desafio. Pensando nisso, eles se juntaram e – como uma das atividades do Geração que Move – organizaram uma campanha pelo vale social intermunicipal. Ao todo foram 14 campanhas desenhadas pelas turmas de adolescentes e jovens do Rio de Janeiro e de São Paulo.

O objetivo do grupo de Andrey é conseguir no Poder Público o passe livre aos universitários que transitam entre municípios, como os próprios integrantes do grupo. “A gente não tem essa facilidade de sair de municípios vizinhos, como os da Baixada Fluminense, para estudar porque é muito alto o custo de passagem”.
Além de ser um tema que atravessa seu próprio dia a dia, o grupo escolheu essa reivindicação por ser uma demanda já pautada pelo movimento estudantil e discutido algumas vezes na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). “A gente viu que tinha uma chance real disso se realizar”.
Durante a mobilização, os jovens tiveram alguns desencontros devido às dificuldades de mobilidade de cada um. Apesar disso, conseguiram realizar uma ação de panfletagem no Centro do Rio, além da estratégia de engajar mais pessoas no tema em seus próprios territórios e locais de atuação.
Se em outro momento o caminho cansativo foi um dos elementos que já fizeram Andrey cogitar abandonar os estudos, hoje o seu desafio pessoal passou a ser se formar e assim transformar a sua realidade socioeconômica e da sua família. Para ele, uma cidade acessível também tem esse potencial ao levar oportunidades para a juventude. “Quanto jovem a gente vê que poderia ser um ótimo artista, uma ótima advogada, um médico incrível, mas que ele não vê a oportunidade, porque não tem a oportunidade literalmente. Ele só se locomove pelo seu território, um território margeado pela violência policial, social, pelo racismo, pelo poder do tráfico ou das milícias”.
A participação no Geração que Move fez Andrey pôr em palavras pela primeira vez as dificuldades de pertencer à cidade. Passou a idealizar um Rio de Janeiro com transportes acessíveis, aparelhos culturais nas periferias e um metrô que atingisse toda a cidade passando até por Bangu. Para o universitário, solucionar as questões de mobilidade urbana tem a ver principalmente com “abrir a cidade para esse jovem e levar também a cidade para ele”.
Sobre o projeto – A segunda edição do projeto Geração que Move ocorreu com a participação ativa de quase 100 adolescentes e jovens de diferentes favelas e periferias da cidade do Rio de Janeiro e da cidade de São Paulo. É uma realização do UNICEF e NOSSAS e faz parte de uma parceria estratégica do UNICEF com a Fundação Abertis. Ao longo de 2022, participaram de um ciclo de oficinas formativas e produziram materiais e campanhas de ativismo e incidência política sobre temas cruciais no seu cotidiano: mobilidade urbana, acesso a oportunidades, direito à cidade.