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“Falar sobre o que sentimos é o primeiro passo”

Ao compartilharem suas histórias, Nicoli, 17, e Geovanna, 18, ajudam outros adolescentes e jovens na construção de políticas públicas de saúde mental

UNICEF
25 setembro 2024

A primeira série do Ensino Médio não foi um período fácil para Nicoli Silveira, de 17 anos. A adolescente morava e estudava em São Paulo (SP), cidade onde nasceu, e não havia conseguido se conectar com os novos colegas e fazer amizades. Pouco a pouco, a situação começou a afetar seu bem-estar. "Foi um período estressante, e eu passei a ter muita ansiedade”, conta ela.

adolescente usando óculos posa para foto
Arquivo Pessoal

Nicoli, 17, defende a necessidade de acolhimento para adolescentes e jovens que sofrem com sua saúde mental.

Ao mesmo tempo, uma grande mudança se aproximava. Nicoli, seus pais e suas duas irmãs iriam se mudar para Araruama, uma cidade com menos de 200 mil habitantes no litoral do Rio de Janeiro. Mas o que poderia acrescentar aos problemas acabou se tornando, a partir do diálogo e do apoio da família, algo positivo. “Eu já conversava com meus pais sobre a mudança, então foi um alívio poder deixar para trás a correria de uma cidade grande e vir para um lugar onde eu poderia ser eu de verdade, sem medo de ser julgada”, conta ela. “Aqui, eu logo me senti acolhida. E foi reconfortante saber que eu tenho com quem contar”, diz.

Quem também já enfrentou desafios com a própria saúde mental foi Geovanna Ferreira, de 18 anos. Cearense, Geovanna vive na cidade de Quixeramobim, a mais de 200 km da capital Fortaleza. Quando começou a passar por desafios pessoais, no começo da adolescência, ela também contou com o apoio dos pais para superar a situação. E ainda pôde acessar tratamento psicológico, o que diz ser uma exceção à realidade de muitos adolescentes. 

“Felizmente, eu tive acesso a apoio psicológico, a terapia, e comecei a ver as coisas de outra forma”, conta. “Mas eu via que a realidade dos outros era muito diferente da minha. E eu sempre me afetei muito pela dor dos outros, então isso começou a ser uma questão para mim”, conta.

Luta pela saúde mental

Essas experiências levariam ambas a se engajarem com o tema da saúde mental. No Núcleo de Cidadania de Adolescentes (NUCA) da sua cidade, Geovanna pôde assistir às primeiras palestras sobre o assunto e começar a entender o papel dos adolescentes e dos jovens no debate. Os NUCAs são grupos que reúnem meninas e meninos de até 18 anos para debater e influenciar decisões políticas em municípios que participam do Selo UNICEF – iniciativa do UNICEF para fortalecer políticas públicas voltadas às crianças e aos adolescentes no Norte e do Nordeste do País.

Já Nicoli e outros alunos de sua escola foram convidados a participar em uma palestra sobre saúde mental no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) do mesmo bairro.  E a adolescente se engajou tanto com o tema que até chegou a promover uma série de conversas sobre bullying em seu colégio.

Tempos depois, a trajetória iniciada aí levaria as duas adolescentes ainda mais longe: realizada em Brasília em dezembro de 2023. O evento buscou propor diretrizes para a criação de uma Política Nacional de Saúde Mental, além de fortalecer os programas e ações de saúde mental já implementadas no Brasil. Entre os participantes, estavam profissionais de saúde, pesquisadores, servidores públicos e, pela primeira vez, uma delegação de adolescentes de todo o País da qual Geovanna e Nicoli fizeram parte.

 O UNICEF e parceiros apoiaram o processo que levou à eleição das adolescentes como delegadas, durante a Conferência Livre Nacional Pode Falar, realizada dois meses antes da Conferência Nacional. O Pode Falar é uma rede e canal de escuta criados para acolher, de forma anônima e gratuita, adolescentes e jovens em relação à saúde mental (acesse aqui). Para realizar iniciativas e estratégias nessa temática, o UNICEF conta com a parceria estratégica da RD Saúde.

Adolescente em pé posa para foto
Arquivo Pessoal
Geovanna, 18, acredita que os jovens devem ser ouvidos na hora de construir políticas públicas em prol da saúde mental.

“Um dos motivos que me fazem gostar tanto dessa causa é poder correr atrás dos direitos dos jovens”, diz Geovanna. “E na Conferência nós fomos atrás disso. Ali tinham propostas que envolvem as crianças e os adolescentes, e não tem como os adultos criarem essas políticas sem nossa participação... se eles não conhecem nosso ponto de vista, tem mais risco dessas soluções não atenderem nossas necessidades”, opina ela.

Para Nicoli, ver colegas e amigos enfrentando desafios de saúde mental a alertou para a necessidade de políticas para lidar com o tema. “Todos nós temos feridas, e é muito importante cuidar disso desde cedo se queremos criar uma sociedade mais amorosa e com empatia”, diz. “Nós já temos os meios para fazer dar certo, mas nem sempre os governantes escutam as pessoas. Eles precisam ouvir o que os jovens contam e trabalhar para aumentar o acesso e o acolhimento”, completa.

A necessidade de acolhimento também foi um dos temas destacados por Geovanna: “Pode ser mais fácil sofrer do que buscar ajuda, mesmo para quem tem condições de pagar por ela. Por isso, todos os profissionais que lidam com jovens deveriam ter uma preparação para lidar com a saúde mental. E a gente deve divulgar mais redes como o Pode Falar, onde sempre tem pessoas dispostas a te ouvir", conta.

O resultado da atuação de Geovanna, Nicoli e dos outros jovens presentes não poderia ser melhor: 8 das 10 propostas da delegação foram aprovadas durante a 5º Conferência Nacional de Saúde Mental e se tornarão diretrizes que vão orientar a forma como políticas públicas de saúde mental serão implementadas no Sistema Único de Saúde (SUS) nos próximos anos.

Grupo de adolescentes posa para foto em frente a placa de evento
Arquivo Pessoal

A delegação da qual participaram Geovanna e Nicoli foi o primeiro grupo de adolescentes a participar de uma Conferência Nacional de Saúde Mental.

"Todo mundo merece estar bem”

No futuro, as trajetórias de Geovanna e Nicoli podem se encontrar novamente. Ambas sonham em atuar com profissões ligadas à saúde mental, na psiquiatria ou psicologia, e poder seguir apoiando crianças, adolescentes e jovens a cuidarem de si mesmos e de suas mentes.

“Quando você consegue lidar bem consigo mesmo, você consegue lidar bem com qualquer pessoa. E pode ajudar a criar uma sociedade melhor e um mundo mais seguro, onde as pessoas entendem o valor um dos outros”, diz Nicoli. E resume Geovanna: “Às vezes a vida pode parecer muito pesada e solitária, especialmente para nós, jovens. Mas nós não estamos sós. E pedir ajuda não é fraqueza. Falar sobre o que a gente sente é o primeiro passo para se curar... porque todo mundo merece estar bem”, diz.