“Abrir a torneira e sentir a água em minhas mãos foi uma grande emoção”
Migrante da Venezuela, a líder comunitária Angelis Navarro vai celebrar o Dia Mundial da Água com acesso à água segura em sua comunidade em Boa Vista, Roraima

A facilidade de ter água da rede pública disponível na torneira e atendendo as famílias da sua comunidade ainda é algo que comove a líder comunitária Angelis Navarro. No Brasil há seis anos, a migrante da Venezuela lembra o difícil caminho percorrido para assegurar o acesso a esse direito para os quase 180 refugiados e migrantes que vivem no local, em Boa Vista, Roraima. “Era uma situação muito difícil, nós e nossos filhos adoecíamos por beber a água da chuva, que coletávamos”, lembra Angelis.
A ligação dos pontos de água da comunidade à rede pública se deu após iniciativa do UNICEF, que solicitou apoio à Defensoria Pública do Estado de Roraima (DPE-RR) e à Companhia de Águas e Esgotos de Roraima (Caer), num processo que resultou no acordo para a conexão de água em oito assentamentos informais de refugiados e migrantes, em outubro de 2022.
Assim, este Dia Mundial da Água, comemorado em 22 de março, ganha um novo significado para Angelis, sua família e comunidade. O acesso à água segura é fundamental para a prevenção de doenças, promoção da saúde e para o pleno desenvolvimento de meninos e meninas.
Mãe de duas crianças – Ximena, de 6 anos, e Thiago, de 4, este já nascido no Brasil –, Angelis lembra que a falta de água afetou a rotina escolar das crianças, além da saúde. Sem poder manter boas práticas de higiene e limpeza, e sem acesso à água potável, as crianças eram vítimas recorrentes de diarreia, desidratação e outras enfermidades que as mantinham longe da escola.
“Uma vizinha nos doava água com uma mangueira e pagávamos uma mensalidade para ela. Mas a água só chegava durante a noite e era muito pouquinha”, lembra.
As coisas começaram a mudar em 2019, quando o UNICEF iniciou, em assentamentos informais como a ocupação Coronel Monteiro Baena – onde vive Angelis –, as atividades ligadas à prevenção de doenças por meio do fornecimento de água segura, atividades de promoção de higiene, manejo de resíduos sólidos e esgotamento sanitário.

A estrutura de lavagem de mãos e o abastecimento com caminhão pipa foi essencial para as famílias atravessarem o período da pandemia da covid-19. Na época, cerca de 2,5 mil refugiados e migrantes em assentamentos informais foram beneficiados em Boa Vista, com acesso à água potável, hipoclorito de sódio para a desinfecção de ambientes, além de materiais e equipamentos para limpeza e higiene pessoal, em parceria com a Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (Adra) e a Caer.
“Na pandemia, começamos com o abastecimento de água por meio de caminhão-pipa nos assentamentos informais, de forma a garantir o direito humano relacionado ao acesso à água potável. Mas era preciso buscar sustentabilidade. Este atual acordo faz parte das prioridades do UNICEF em fortalecer o acesso de refugiados e migrantes às políticas públicas, em diálogo com os órgãos públicos”, afirma o oficial de Água, Saneamento e Higiene (Wash, na sigla em inglês) do UNICEF em Roraima, Gabriel Maraslis.

Envolvimento da comunidade
Ao todo, oito ocupações espontâneas onde vivem refugiados e migrantes em Boa Vista ganharam acesso à rede pública de abastecimento de água após o acordo costurado com DPE e Caer, beneficiando mais de mil pessoas que vivem nelas.
O êxito da iniciativa se deveu também ao compromisso das lideranças e da própria comunidade, que tiveram de garantir o cadastro e documentação, realizar a instalação de tubos para conectar as estruturas, além de sistematizar o controle comunitário de pagamento das contas, cobradas como tarifa social.
Esse trabalho, que resulta na melhoria do bem-estar social, da qualidade de vida e da saúde, é possível graças ao apoio financeiro do Governo dos Estados Unidos e da União Europeia, por meio do Escritório para População, Refugiados e Migração do Departamento de Estado dos Estados Unidos (PRM, na sigla em inglês) e do Departamento de Proteção Civil e Ajuda Humanitária da União Europeia (Echo, na sigla em inglês).
Para Angelis, o acesso a esse direito traz momentos de felicidade diariamente. “Abrir a torneira e sentir água em minhas mãos é uma grande emoção”, afirma.