Estudo aponta descaso perante as mortes violentas de adolescentes no Rio de Janeiro
Foram analisadas 25 mortes de adolescentes ocorridas na região com a taxa mais alta de letalidade em 2017 na capital – o estudo foi coordenado pelo Iser e Observatório de Favelas, em parceria com o UNICEF
Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 2020 – Nesta sexta-feira (18), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Observatório de Favelas e o Instituto de Estudos da Religião (Iser) apresentam os principais resultados do estudo Vidas adolescentes interrompidas – um estudo sobre 25 mortes violentas no Rio de Janeiro. O trabalho analisa 25 mortes violentas de adolescentes, entre 12 e 17 anos, ocorridas em 2017, na região mais letal da cidade, a Zona Norte da capital. Com o objetivo de contribuir com políticas públicas de proteção à vida de cada criança e cada adolescente, o estudo foi produzido pelo Iser e o Observatório de Favelas, com parceria técnica do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, parceria estratégica do UNICEF e apoio do Ministério Público do Rio de Janeiro, no âmbito das atividades do Comitê para Prevenção de Homicídios de Adolescentes no Rio de Janeiro.
Dos 25 adolescentes, 23 vítimas morreram por arma de fogo, incluindo nove mortes decorrentes de intervenção policial. Em 17 dos casos, o estudo mostra que não houve perícia no local (etapa essencial do trabalho investigativo) e que na maioria das ocorrências a cena do crime foi alterada pela remoção das vítimas (o que deve ocorrer apenas quando há possibilidade de socorro). Em todos os registros de ocorrência, o relato de como ocorreu a morte se baseou exclusivamente na narrativa dos policiais, sem que tivessem sido ouvidas outras testemunhas. Em todos os laudos, os peritos registraram a impossibilidade de realizar exames de raio-X. Dos 25 casos, só em dois houve denúncia à Justiça. Até o momento, três anos depois, só em dois casos as investigações avançaram na direção de responsabilizar os autores.
“O estudo revela uma rede precária de proteção às crianças e aos adolescentes nos territórios mais vulneráveis da cidade e, ao mesmo tempo, o descaso em relação às mortes ocorridas, perpetuando uma prática de violência. É urgente romper esse ciclo e prevenir novas mortes”, destaca Luciana Phebo, coordenadora do UNICEF no Rio de Janeiro. Ela completa: “Garantir o acesso seguro à escola, por um lado, e priorizar as investigações de crimes contra a vida de crianças e adolescentes, por outro, são exemplos concretos de estratégias de prevenção que devem ser adotadas”.
Em 2017, a região da cidade do Rio de Janeiro que concentrou o maior número de mortes violentas de adolescentes foi a Área de Planejamento 3.3, que abrange 20 bairros da Zona Norte e os complexos de favelas da Pedreira, Chapadão e Acari. Numa zona dessa região, a taxa chegou a 129,4 por 100 mil – seis vez maior que à média da capital naquele ano –, com 28 mortes em um ano. Deste grupo, os pesquisadores tiveram acesso à documentação de 25 adolescentes, o estudo analisou microdados do Instituto de Segurança Pública (ISP); registros de ocorrência e laudos da Polícia Civil e cadastros de atendimentos das vítimas pela rede municipal de Educação, Saúde e Assistência Social e Direitos Humanos, além de informações do Centro de Pesquisas do Ministério Público do Rio de Janeiro.
“A análise da documentação das vítimas alerta para práticas recorrentes como a falta de perícia no local do crime, o preenchimento precário dos registros de ocorrência, a falta de exames periciais, a não apresentação de denúncia dos responsáveis à justiça por parte das investigações, resultando na falta de responsabilização judicial”, destaca André Rodrigues, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisador do Iser e um dos coordenadores da pesquisa, realizada entre julho de 2019 a junho de 2020.
Além de se debruçar sobre as circunstância da morte, os pesquisadores levantaram informações sobre a atuação da rede de proteção na trajetória de vida dos adolescentes. No que diz respeito à Educação, sete dos 25 adolescentes vítimas de homicídio haviam abandonado a escola. Ao todo, 20 tinham históricos em clínicas da família. No entanto, esses atendimentos não levaram a um acompanhamento de médio e longo prazos ou à assistência por profissionais especializados. No âmbito da Assistência Social, por sua vez, 19 tinham cadastros nos serviços da rede, mas apenas dois deles faziam parte do Programa de Atendimento Integral à Família – Paif, que acompanha regularmente famílias em situações de vulnerabilidade.
“As entrevistas de campo com diferentes profissionais que atuam nos territórios revelam uma rede de proteção precarizada e desarticulada que precisa de investimento público. Precisamos de políticas específicas para promover direitos e proteger a vida dos adolescentes e jovens mais vulneráveis à violência letal, com especial atenção para os jovens negros”, diz Raquel Willadino, diretora do Observatório de Favelas e uma das coordenadoras da pesquisa.
Pontos para debate – Em suas conclusões, o estudo sinaliza estratégias de prevenção a ser debatidas com o Poder Público. Entre elas, destacam-se: o fortalecimento dos serviços públicos nos territórios, o papel central dos Conselhos Tutelares, bem como a importância do acesso seguro às escolas e outros serviços de saúde e assistência, que precisam ser resguardados da violência armada cotidiana. Por outro lado, faz-se necessário garantir atuação policial de acordo com as normativas nacionais e internacionais, a priorização das investigações dos crimes contra a vida de crianças e adolescentes, bem como a garantia de atendimento especializado aos familiares e amigos das vítimas.
Histórico dos dados – De janeiro de 2013 a março de 2019, houve 2.484 homicídios de adolescentes no estado do Rio de Janeiro, segundo dados do ISP. Entre as vítimas, 80% eram negros e 70% tinham entre 16 e 17 anos. Ainda assim, a capital concentrou 26% dessas ocorrências, ou seja, 648 vidas interrompidas brutalmente.
Entre as causas da letalidade violenta dos adolescentes nesse período, despontam os homicídios dolosos. A segunda causa foi a ação de policiais, crescente nos últimos anos, totalizando 22%. Na capital, a proporção de vítimas fatais por ações da polícia foi de 34%.
>> Acesse o sumário do estudo aqui.
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Comitê para Prevenção de Homicídios de Adolescentes no Rio de Janeiro – Lançado em maio de 2018, o Comitê para Prevenção de Homicídios de Adolescentes no Rio de Janeiro é uma instância intersetorial de pesquisa, debate, mobilização e incidência para desenvolvimento e fortalecimento de políticas públicas de prevenção de homicídios de adolescentes. O Comitê é integrado por 19 instituições e um membro observador que assumiram o compromisso de atuar pela prevenção de novos homicídios:
Observatório de Favelas – Fundado em 2001, o Observatório de Favelas é uma organização da sociedade civil sediada no Conjunto de Favelas da Maré, dedicada à produção de conhecimento e metodologias visando incidir em políticas públicas sobre as favelas e promover o direito à cidade. Tem como missão construir experiências que contribuam para a superação das desigualdades e o fortalecimento da democracia a partir da afirmação das favelas e periferias como territórios de potências e direitos. Desenvolve programas e projetos nos seguintes eixos: Direito à Vida e Segurança Pública, Comunicação, Arte e Território, Educação e Políticas Urbanas.
Iser – O Instituto de Estudos da Religião, Iser, é uma organização da sociedade civil, de caráter laico, comprometida e dedicada à causa dos direitos humanos e da democracia. Fundado pelo teólogo e escritor Rubem Alves na UNICAMP, no contexto brasileiro dos anos 1970, o Iser acompanhou o desenvolvimento de movimentos sociais voltados para luta dos direitos humanos, englobando uma série de temáticas específicas.
Informações para imprensa:
Gabriela Anastacia (Observatório de Favelas)
gabriela@observatoriodefavelas.org.br
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Sobre o UNICEF
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) trabalha em alguns dos lugares mais difíceis do planeta, para alcançar as crianças mais desfavorecidas do mundo. Em 190 países e territórios, o UNICEF trabalha para cada criança, em todos os lugares, para construir um mundo melhor para todos.
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