No Brasil, todos os anos são divulgadas campanhas de combate ao mosquito Aedes aegypti na tentativa de sensibilizar e mobilizar a população para, em conjunto com as organizações de saúde, frear a epidemia existente em nosso país. Com pequenas ações como não deixar água parada já podemos fazer uma grande diferença no controle de vetores das arboviroses. Porém, você pode estar se perguntando: "O que são essas tão faladas arboviroses?"; Ou indo além: "De onde veio esse mosquito que causa tanta mobilização na saúde pública?". Vem com a gente descobrir mais sobre esse tão famoso mosquito.
O que são arboviroses?
As arboviroses são doenças causadas pelos chamados arbovírus, ou seja, doenças virais transmitidas por intermédio de artrópodes. Entretanto, engana-se quem pensa que os mosquitos são os únicos transmissores de arboviroses. Outros insetos e aracnídeos também servem como meios de transmissão, afinal, a classe de artrópodes é bem diversificada.
Atualmente existe um total de 545 espécies de arbovírus, no entanto, somente 150 destas causam doenças em seres humanos. Apesar de a nomenclatura “arbovirose” ser usada para classificar diversos tipos de vírus, a expressão tem sido mais utilizada para se referir às doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, ao exemplo do Zika vírus, Chikungunya, Febre Amarela e Dengue.
Você sabia que o mosquito Aedes aegypti não é originário do Brasil?
Apesar de seu longo histórico e seu grande impacto nas questões de saúde pública do nosso país, o mosquito Aedes aegypti veio do Egito, na África, em navios que traficavam escravos durante o século 16 no período colonial. No entanto, sua descrição cientificamente ocorreu pela primeira vez em 1762, mas foi somente em 1818 após o gênero Aedes ser descrito que recebeu o nome definitivo de Aedes aegypti, anteriormente nomeado como Culex aegypti.
No Brasil, o Aedes aegypti se tornou uma questão de saúde pública ainda em 1850, quando houve a primeira epidemia de febre amarela urbana, tendo início no Rio de Janeiro e se espalhando por todo o país. Com o início da produção de vacina contra a febre amarela no Brasil em 1937, a doença foi considerada erradicada em 1942, com o último registro ocorrendo no estado do Acre. Já no ano de 1958, a Organização Mundial de Saúde (OMS) chegou a reconhecer que o Brasil erradicou o Aedes aegypti, no entanto, em 1976 novos focos do mosquito foram encontrados na Bahia, espalhando-se para todo o território brasileiro e dando início às epidemias de dengue.
Os impactos das mudanças climáticas na expansão das arboviroses
As mudanças climáticas e suas devastadoras consequências em todo planeta têm se constituído enquanto maior e mais urgente desafio que a humanidade tem enfrentado no século XXI. Além de afetar o equilíbrio meteorológico e ambiental e aumentar a vulnerabilidade dos ecossistemas, essas mudanças têm um impacto significativo na propagação de doenças e surgimento de novas pandemias e epidemias, como as que estamos enfrentando em 2024 por todo o país com as arboviroses.
O aumento das temperaturas globais e as alterações meteorológicas nos padrões de precipitação têm se tornado os principais aliados na criação de condições favoráveis para a proliferação e expansão dos agentes de transmissão das arboviroses, como o Aedes aegypti e o Aedes albopictus, responsáveis pela disseminação para a população humana de doenças como zika, dengue e chikungunya.
O crescimento na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, como grandes períodos de secas ou grandes volumes de chuvas em poucas horas ou dias é um dos principais impulsionadores da propagação destas doenças e caracterização delas enquanto pontos de emergência da saúde pública. Esses cenários criam ambientes propícios para a reprodução dos vetores, aumentando sua população e, consequentemente, o risco de contágio da população.
Você sabia que as mudanças climáticas, além de afetarem diretamente a quantidade populacional dos vetores das arboviroses, também afetam a sua distribuição geográfica? Áreas que antes eram inadequadas para a sobrevivência desses organismos estão se tornando habitats favoráveis para a reprodução desses agentes transmissores, ampliando as áreas de risco pelo país e colocando mais pessoas em contato com essas doenças. Além disso, em muitas regiões, o período de transmissão dessas doenças está se prolongando, tornando o controle e a prevenção ainda mais desafiadores para os sistemas de saúde pública devido ao impacto direto das mudanças climáticas na sazonalidade das arboviroses.
Sendo assim, o combate às arboviroses em um cenário de avanço das mudanças climáticas requer uma abordagem que leve em consideração não apenas os aspectos médicos e epidemiológicos, mas também os fatores ambientais, sociais e econômicos que contribuem para sua propagação. Somente dessa forma, podemos construir um forte enfrentamento dessas doenças e proteger as gerações presentes e futuras, principalmente as populações vulneráveis, dos impactos das suas terríveis consequências.
Para tanto, é importante acrescentar ao processo para o combate às arboviroses o engajamento comunitário, que se define como um processo de escuta cuidadosa, de comunicação e colaboração entre profissionais e membros da comunidade. Assim, as autoridades públicas permanecem no papel intermediador destes grupos, para possibilitar o desenvolvimento de políticas públicas que garantam o melhor interesse da população.
Diante disso, é necessário estabelecer confiança e segurança na população, visando conhecer o contexto da população, especialmente quando se trata de possíveis epidemias, para evitar informações falsas (Fake News). Nesse sentido é preciso:
- Estabelecer métodos para compreender as preocupações, atitudes e crenças dos principais públicos;
- Identificar os públicos-alvo e reunir informações sobre os seus conhecimentos e comportamentos (por exemplo, em quem confiam, como é provável que recebam informações, os seus hábitos diários, as suas preocupações);
- Envolver-se por meio das redes sociais: informar proativamente o público e acolher e responder a todas as perguntas;
- Envolver-se por meio de programas de rádio para as pessoas poderem ligar e fazer perguntas;
- Identificar influenciadores comunitários (por exemplo, líderes comunitários, líderes religiosos, agentes de saúde, povos tradicionais, provedores de medicina alternativa) e redes (por exemplo, grupos de mulheres, voluntários de saúde comunitária, associações de jovens, grupos religiosos, sindicatos e mobilizadores sociais) que auxiliem no envolvimento comunitário; e
- Antecipar necessidades especiais de informação e engajamento para pessoas com deficiência ou analfabetas.
Assim, o engajamento comunitário resulta na interação mais efetiva dos representantes públicos e dos cidadãos, garantindo uma atuação de longo prazo e construindo um canal de comunicação claro e preciso. Dessa maneira, uma ação se demonstra um sucesso quando aqueles impactados sentem suas necessidades representadas. Além disso, o engajamento estimula o desenvolvimento local e políticas que garantem as próximas gerações, que acabam sendo grupos mais vulneráveis à contaminação, bem como tornando-se exemplos para as crianças que poderão posteriormente replicar e tornar rotina os cuidados para prevenir a proliferação de doenças.
Dificuldade do acesso de comunidades indígenas e periféricas aos serviços de saúde para diagnóstico e tratamento
Fatores e vulnerabilidades sociais e ambientais intensificam os efeitos das mudanças climáticas, resultando em alterações nos padrões de temperatura e clima. Devido a isso, a proliferação do mosquito Aedes aegypti é cada vez maior, fazendo com que a doença se torne um problema de saúde em uma quantidade muito maior de municípios no país. Nas comunidades indígenas e periféricas, encontra-se uma realidade ainda mais desafiadora: o acesso limitado a serviços de saúde essenciais, como a vacinação contra arboviroses.
A logística de distribuição de vacinas nessas regiões, principalmente em comunidades indígenas de difícil acesso, é frequentemente interrompida pela falta de infraestrutura adequada. Estradas precárias ou inexistentes, distâncias vastas e a ausência de meios de transporte adequados são barreiras que impedem a chegada oportuna de vacinas. Além disso, a conservação adequada das vacinas é um desafio, dada a necessidade de refrigeração constante. Nas regiões periféricas, a grande densidade populacional, somada às precárias condições de moradia e a oferta irregular do abastecimento de água são algumas das adversidades que podem influenciar no aumento de casos nestas áreas.
Outro aspecto preocupante é a desinformação e a hesitação vacinal. Mitos e equívocos sobre os efeitos e a eficácia das vacinas podem se espalhar rapidamente, alimentados pela falta de conscientização em saúde e por campanhas de informação inadequadas.
Para superar esses obstáculos, é necessário um esforço coordenado entre governos, organizações de saúde e as próprias comunidades. Um exemplo a ser seguido é o da comunidade indígena Karitiana, localizada a 96 km de Porto Velho, capital de Rondônia. Os indígenas foram atendidos em uma ação organizada pela Fiocruz em parceria com o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI-Porto Velho).
Por outro lado, essa não é uma realidade de todo o território brasileiro. O município de Redentora, no norte do Rio Grande do Sul, registrou mais uma morte por dengue e a vítima foi uma mulher indígena de 37 anos. Ela não tinha comorbidades.
Assim como no município de Redentora, essa é a realidade da maioria das cidades brasileiras. Segundo o infectologista Hemerson Luz, em entrevista para a Agência Brasil, qualquer pessoa pode ter a doença agravada: "Mas pode ser pior em crianças muito pequenas, ou mesmo em pessoas idosas, grávidas, pessoas que têm comorbidades. E um grande foco hoje da atenção é justamente crianças e adolescentes por onde estão começando os programas de vacinação”.
A maioria desses casos se encontra em comunidades periféricas, sendo a desigualdade social um dos maiores problemas a ser enfrentado para o combate efetivo das arboviroses.
Conclusão
Apesar de pequeno, o mosquito Aedes aegypti é o maior responsável pela disseminação de Arboviroses em humanos, resultando no adoecimento e óbito de diversas pessoas. No entanto, apesar dos grandes esforços da população e dos serviços públicos de saúde em combater as principais doenças transmitidas pelo mosquito, essas ações se mostraram insuficientes para lidar com a epidemia que vivemos. Em meio a todas as questões de crise na saúde pública, também vivenciamos uma crise climática, onde temos um cenário que vai de encontro aos esforços realizados para controlar tal emergência de saúde pública ao tornar o ambiente propício para o ciclo de reprodução e desenvolvimento do principal vetor das arboviroses humanas.
Assim, é cada vez mais nítido o impacto e a relevância que as mudanças climáticas têm em nossas vidas, indo muito além da alta nas temperaturas ao influenciar todo nosso ecossistema e impactar questões de saúde. Sendo assim, a pulverização de informações por meio dos diversos meios de comunicação é de suma importância para o engajamento da população e esclarecimento de dúvidas. Afinal, o conhecimento é nossa principal arma contra a desinformação e a garantia de nossos direitos.
Referências
Por que o engajamento comunitário é ainda mais importante em tempos de crise
Causas e Efeitos das Mudanças Climáticas
Fiocruz Rondônia e DSEI Porto Velho atuam no combate a arboviroses em comunidade indígena
RS confirma 25ª morte por dengue em 2024; vítima era indígena de 37 anos
Populações periféricas são mais vulneráveis à dengue
Redação: Victória da Silva Almeida, Carolina Barbosa Guedes, Amanda Lopes Carvalho e Kathleen Gomes.
Revisão: Nathalia Correa.