É fascinante observarmos como a pluralidade de culturas, seja agora, seja no passado, nos proporciona diferentes formas de entretenimento, opiniões, conhecimentos e lutas, por meio de vivências distintas que produzem formas variadas de ver o mundo. Essa divulgação e troca de informações se dá em razão do processo de globalização, que foi capaz de diminuir barreiras e permitir a disseminação dos mais diversos conhecimentos aonde, até então, não se imaginava que pudessem chegar.
Contudo, esse processo não foi capaz de derrubar barreiras sociais que possuem raízes mais profundas, impedindo ou, ao menos, dificultando a disseminação de determinadas pesquisas, obras, artistas e outros, em razão de fatores como religião, raça, cor, orientação sexual e muitos outros. O racismo, por exemplo, é uma dessas barreiras inserida na mentalidade social. Ele é responsável pelo fato de que, até hoje, muitas personalidades negras importantes não sejam citadas ou sequer lembradas nos seus campos de influência.
Pensando nesse problema, reunimos algumas personalidades negras mulheres, que foram ainda mais apagadas através dos anos, com o intuito de dar a devida importância para seus trabalhos e estudos, muitas vezes pioneiros, que foram desenvolvidos em contextos de muita dificuldade e suor.
Essas e tantas outras personalidades negras nos ensinam com as suas histórias de vida e luta como a coragem, o trabalho, a cultura e o respeito podem reduzir a desigualdade racial e tornar a nossa sociedade mais justa.
Lembrar do passado para nunca mais esquecer
Tereza de Benguela
Tereza foi líder do Quilombo do Piolho (MT). O quilombo era um lugar de resistência negra e indígena contra o sistema escravocrata do Brasil Colônia e, com a liderança de Tereza de Benguela, tornou-se uma pequena comunidade para cultivo e venda de algodão, milho, feijão, mandioca e banana. Sua autoridade e influência tornaram-se tão importantes que tanto os moradores do quilombo quanto as comunidades brancas ao redor começaram a chamá-la de rainha Tereza.
Tereza foi uma das lideranças negras femininas mais importantes da sua época e, para celebrar sua vida e luta, recebeu um dia especial: 25 de julho, o Dia Nacional de Tereza de Benguela. Essa data, relevantemente, coincide com o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.
Maria Firmina dos Reis
A primeira romancista do Brasil era negra! A maranhense Maria Firmina do Reis é autora de Úrsula (1859), o primeiro romance abolicionista de autoria feminina da língua portuguesa. O romance relata o tráfico negreiro e o regime escravocrata, denunciando as condições subumanas a que pessoas escravizadas eram submetidas. Seu livro é da mesma temática e anterior ao de Castro Alves, intitulado Navio Negreiro, mas apenas este é conhecido e ensinado nas escolas.
Além de escritora, ela foi pesquisadora, compositora, professora e chegou a fundar uma escola gratuita no Maranhão. Além de Úrsula, Maria Firmina escreveu o romance indianista Gupeva, a coletânea de poemas Cantos à beira-mar e o conto A escrava. Infelizmente, com a sua morte em 1917, suas outras obras não publicadas foram perdidas.
Não existe nenhum retrato de Maria Firmina e, no Google, as imagens atribuídas a ela são, na verdade, o da escritora gaúcha Maria Benedita Borman. O mais próximo que temos da imagem de Maria Firmina é uma ilustração digital elaborada por Waniel Jorge Silva a partir de descrições colhidas por Nascimento Morais Filho.
Essa grande escritora de muita importância para a literatura brasileira não foi reconhecida em vida e, até hoje, não é mencionada na maioria das escolas. Ela é apenas um dos exemplos de apagamento do homem negro e da mulher negra da história do mundo e do Brasil, e o resgate dela e de tantas outras personalidades é essencial para que tenhamos cada vez mais exemplos que possam servir de inspiração para crianças negras brasileiras.
Celebrar o presente
Lembrar do passado é celebrar o presente. As personalidades negras antigas, como contamos logo acima, são importantes figuras históricas que inspiram até hoje inúmeras pessoas negras a seguirem na luta pela emancipação e liberdade plena. Veja abaixo, alguns exemplos.
Conceição Evaristo
Militante do Movimento Negro e um dos maiores nomes da literatura brasileira contemporânea, a mineira Conceição Evaristo é autora de ficções, poemas e contos, além de pesquisadora e ex-professora da rede pública de ensino.
As obras de Conceição trazem como elemento principal a vivência de mulheres negras, unindo o dia a dia a denúncias de opressão e racismo. O livro Olhos D’água (2014), vencedor do prêmio Jabuti de 2015, dá voz à população negra brasileira que convive com a pobreza e a violência urbana.
Conceição também foi homenageada em 2019 como Personalidade Literária do Ano pelo Prêmio Jabuti, além de ser vencedora, em 2017, dos prêmios Faz a Diferença, Cláudia, na Categoria Cultura e Literatura, do Governo do Estado de Minas Gerais.
Sueli Carneiro
Sueli Carneiro também foi homenageada como Personalidade Literária do Ano, mas em 2022. Escritora e filósofa, Sueli é militante e uma das maiores pensadoras do Feminismo Negro no Brasil. Fundadora do Geledés – Instituto da Mulher Negra, ela se dedica ao debate e à criação de ações políticas e sociais em defesa dos direitos das mulheres negras.
Sueli Carneiro é referência para outras personalidades negras. A também filósofa e escritora Djamila Ribeiro criou em 2018 um selo editorial com o nome da autora para reconhecer obras produzidas por mulheres. Carneiro é vencedora de prêmios como: Prêmio Bertha Lutz (2003), Prêmio Direitos Humanos da República Francesa, Prêmio Benedito Galvão (2014), Prêmio Itaú Cultural 30 Anos (2017), Prêmio Especial Vladimir Herzog (2020).
Lutar pelo futuro
É necessário resgatar as personalidade do passado e exaltar as personalidades do presente para que consigamos formar as personalidades do futuro, que podem estar em qualquer lugar. Lendo este texto, nascendo neste exato momento, na escola ou até mesmo nas ruas lutando por um Brasil com igualdade racial. O importante é que suas jornadas ainda estão em construção e cabe a nós produzir o espaço necessário para que elas possam escrever seus nomes na história.