LGBTQIAP+ e saúde mental

Acolhendo e lutando contra estigmas e preconceitos

#tmjUNICEF
23 junho 2023
Aviso de gatilho: o texto a seguir trata da saúde mental de uma comunidade vulnerável e traz alguns transtornos psicológicos

“Falar é concretizar as coisas”

Já imaginou ter de esconder quem você é? Desacreditar na sua personalidade, no seu jeito de ser, por causa do que ensinaram para você? As palavras têm o poder de romper silêncios, mas também são capazes de instaurar as maiores angústias e uma dolorosa mudez. Essa é uma realidade que afeta milhares de pessoas LGBTQIAP+ cotidianamente, uma cultura na qual “falar é concretizar as coisas”, como demonstrado pelo provérbio árabe, manter-se em silêncio se tornou um mecanismo de autodefesa das pessoas dessa comunidade, mas também perpetuou uma condição de solidão, algo que afeta profundamente a saúde psicoemocional desses indivíduos marginalizados. É preciso romper a quietude, mais do que nunca é necessário fazer-se ouvido, e mais, ser respeitado. Então, ora, se a fala tem esse poder de instituir realidades e transformá-las em algo concreto, talvez seja possível usar isso na construção de uma vida mais feliz, um debate precioso e oportuno para celebrar a chegada de junho, o mês do orgulho LGBTQIAP+.

Sigla essa que abarca uma diversidade e pluralidade de indivíduos em cada uma de suas letras:

  • L – Lésbicas. Designa as mulheres, cis ou trans, que sentem atração por outras mulheres, cis ou trans, de forma romântica ou sexual.
  • G – Gays. Corresponde aos homens, cis ou trans, que se sentem atraídos por outros homens, cis ou trans, de forma romântica ou sexual.
  • B – Bissexuais. Diz respeito às pessoas que se relacionam romântica ou sexualmente com indivíduos de ambos os sexos/gêneros (feminino e masculino).
  • T – Transexuais e Travestis. A transexualidade se refere aos indivíduos que se identificam com o gênero que se distingue ao sexo designado ao nascer, abarcando homens e mulheres que buscam adequar-se à sua identidade de gênero. Enquanto isso, travestis são pessoas que buscam a construção de uma identidade feminina permanente oposta ao seu sexo biológico.
  • Q – Queer. Trata-se em si de uma designação tida como “guarda-chuva”, funcionando como um termo que abrange todos da comunidade que não desejam ou não se veem dentro das demais designações, ou seja, sujeitos que não se identificam nem se nomeiam com nenhum gênero em específico.
  • I – Intersexo. Abarca as pessoas que têm desígnios sexuais biológicos (órgãos, hormônios e cromossomos masculinos e femininos) de ambos os gêneros.
  • A – Assexuais. Nomeiam indivíduos que não possuem qualquer tipo de atração sexual pelas demais pessoas, sejam sujeitos do mesmo gênero/sexo ou indivíduos opostos.
  • P – Pansexuais. É a orientação sexual que designa as pessoas que desenvolvem atração romântica e sexual pelos demais indivíduos, independente da identidade de gênero destes. É importante ressaltar que a pansexualidade se difere da bissexualidade como nível de importância da identidade de gênero para que o indivíduo se relacione ou não com a pessoa.
  • +(mais) – Corresponde a outras orientações sexuais, identidades e expressões de gênero que são abraçadas pela sigla, além de representar a abertura de uma futura inserção de novas orientações e identidades, demonstrando uma infinitude plural e diversa diante do espectro romântico, sexual e de gênero da humanidade.

A saúde mental e a comunidade LGBTQIAP+
Discutir a saúde mental no Brasil ainda é um debate extremamente estigmatizado, rodeado de preconceitos e até falácias. Entretanto, o recorte dessa temática dentro da comunidade LGBTQIAP+ é ainda mais problematizado – essa é marcada pela cultura da violência e da LGBTQIAP+fobia. Assim, a situação dessas populações distancia-se ainda mais do cenário mais conhecido das questões levantadas pelas políticas de saúde mental, ocorrendo a formação de um fenômeno específico e que merece atenção especial devido às suas motivações e origens que diferem das demais circunstâncias.

Diante disso, pode-se apontar a questão de saúde pública que os pensamentos suicidas apresentam. Como política pública de assistência e enfrentamento do suicídio, as campanhas do Centro de Valorização da Vida e a marca de setembro como Mês da Conscientização e Prevenção do Suicídio – conhecido também como Setembro Amarelo – são ações que visam munir e lecionar a sociedade civil para lidar e enfrentar o suicídio como um problema coletivo e uma questão pública, não mais como algo individual. Esse ponto de coletivizar e tornar público o problema é tão reforçado por essas ações que a comunicação e o diálogo aberto, respeitoso e acolhedor se tornaram as mais poderosas ferramentas de prevenção, combate e cura, ao ponto de sua importância ser estampada no seguinte lema: “Falar é a melhor solução”. Afinal, ninguém merece, tampouco deve, enfrentar os seus sofrimentos e angústias sozinho(a).

Esse, por sua vez, é um aspecto que merece mais atenção. Ao expressar a abertura para o diálogo, a sociedade também deve se incumbir da responsabilidade de ser um agente de cuidado e atenção, para isso, ela deve reconhecer os sintomas, distinguir os estigmas de verdades, além de escutar especialistas e buscar apoio nestes quando for necessário. Além disso, conversar com o outro que sofre faz com que nos coloquemos em seu lugar e desenvolvamos o sentimento de empatia – compartilhando a compreensão mútua e a solidariedade com o próximo. Como dito, as pessoas com tendências suicidas têm dentro de si um forte sofrimento de angústia, sofrimento ou solidão, encarando o interromper da vida como um meio de cessar tais sentimentos persistentes que são motivados por diversos eventos e circunstâncias – tendo aspectos sociais, psíquicos, fisiológicos e até culturais envolvidos.

O sofrimento precisa findar-se e, assim como os outros sentimentos, a exemplo da alegria, orgulho e amor, a dor precisa ser expressa, caso contrário, torna-se sufocante. Por isso, é fundamental discutir sobre a saúde mental das pessoas LGBTQIAP+, é necessário desenvolver espaços-tempos de acolhimento e resolução de suas principais necessidades, reivindicações e identidades, para possibilitar que a dor saia por meio de palavras, e não por atos de agressão contra si e contra os outros.

A comunidade LGBTQIAP+ historicamente teve direitos, pautas, particularidades e dificuldades largamente desconsideradas, já que a própria existência plural e diversa era vista como ilegítima. Desde o acesso a serviços básicos de saúde pública – atendimento ambulatorial e exames de rotina, por exemplo – e a métodos contraceptivos, conjuntamente com o descaso rotineiro, diante da LGBTQIAP+fobia por ela sofrida diariamente, até o precário estado de saúde mental dessa população tão extensivamente oprimida, a comunidade viu, por décadas, suas necessidades colocadas em segundo plano. Contudo, evidencia-se, felizmente, cada vez mais nas mídias, nas discussões sociais e na arte, a representação fiel desse grupo social e o destaque das suas experiências diárias, inclusive no que diz respeito à saúde mental de jovens e adultos LGBTQIAP+.

Os impactos da LGBTQIAP+fobia
Sabemos que em razão da homofobia enraizada nas sociedades atuais, as principais causas de estresse psicológico são: o preconceito em si, a árdua aceitação por parentes e colegas, assim como as críticas e os julgamentos vivenciados diariamente. Naturalmente, a exposição ininterrupta de demonstrações tão claras de intolerância torna a realidade da comunidade LGBTQIAP+ extremamente fatigante.

Nesse sentido, de acordo com a organização sem fins lucrativos, National Alliance on Mental Illness, sediada nos Estados Unidos, pessoas LGBT têm duas vezes mais probabilidade de desenvolver condições mentais adversas do que heterossexuais, enquanto para indivíduos transgêneros a probabilidade é quase quatro vezes maior do que para cisgêneros.

Posteriormente, as diretrizes e políticas públicas precisam visar uma análise mais abrangente acerca da saúde LGBTQIAP+, levando em conta problemas de cunhos biológicos, sociais, psicológicos e biopsicossociais, haja vista que as políticas e diretrizes em saúde estão voltadas para o reconhecimento da discriminação, violência e exclusão, mas ainda fortificando o reconhecimento de sua cidadania. Igualmente, o reconhecimento e o estabelecimento dessas políticas em âmbito federal, estadual e municipal são essenciais para assegurar e fazer acontecer essas diretrizes. Nesse viés, visando fortalecer, destacar, mostrar e combater os tipos de violência, discriminação e exclusão, o governo federal lançou em 2004 o programa “Brasil sem homofobia” .

Ao longo da história da população LGBTQIAP+ houve diversos tipos de violência, discriminação, negligência e descasos, em que quem não estava dentro dos padrões da sociedade era considerado “desviante”. De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde, os problemas de saúde, como os fatores biopsicossociais, ainda são invisíveis nas Américas, visto que ainda faltam informação, planejamento e ações em saúde que agregue toda as especificidades, cultura, direitos e deveres da comunidade LGBTQIAP+.

A vulnerabilidade da comunidade LGBTQIAP+ é um assunto que precisa cada vez mais de espaço dentro da nossa sociedade, principalmente pós-pandemia. Temos conhecimento que a questão da vulnerabilidade da população LGBTQIAP+ cada vez se agrava mais. Contudo, com a pandemia da covid-19, gerou-se um grande impacto social e emocional, que, como consequência, resultou em um afastamento de redes de apoio e aproximação de vínculos familiares, que raramente são receptivos diante do debate acerca da orientação sexual, tampouco sobre as questões de identidade e expressão de gênero que fogem da condição da cis-heteronormatividade.

O coletivo #VoteLGBT realizou uma pesquisa com cerca de 10.000 pessoas LGBTQIAP+. O maior desafio apresentado por elas foi vinculado à saúde mental, com um impacto negativo em 42,7% dos(as) respondentes. O #VoteLGBT é um coletivo, em processo de institucionalização que, desde 2014, busca aumentar a representatividade LGBT+ em todos os espaços, principalmente na política. Com isso entendemos que estes indivíduos precisam ocupar mais espaços na sociedade, realizando ações voltadas para a comunidade, com o fim de gerar visibilidade e combater estigmas e preconceitos contra a comunidade.

Dessa forma, uma sociedade sensibilizada e um Estado consciente dos direitos dessa comunidade, alcançados por meio de luta social e com muitos desafios, são pontos importantes para que oportunidades e debates existam em relação às necessidades dos indivíduos LGBTQIAP+, um deles é a saúde mental dessas pessoas que não raramente passam por situações emocionalmente deprimentes e traumáticas. Portanto, deve-se agir pelo avanço da sociedade e lutar pela dignidade de todas as pessoas.

Sexo, Orientação sexual (sexualidade) e identidade de gênero
Sexo pode ser tido como uma ilustração das diferenças biológicas entre homens e mulheres. Ou seja, está relacionada à parte biológica e não social. Já a sexualidade, fala sobre as práticas afetivas-sexuais. Ela não tem nada a ver com identidade de gênero, pois um homem pode se identificar como mulher, e mesmo assim, manter relações afetivas e de cunho sexual com outra mulher.

A identidade de gênero é como a pessoa se identifica quanto aos gêneros masculino e feminino. Diferente do sexo, não é biológico, e sim, social, é o local que um indivíduo ocupa em uma cultura ou sociedade de acordo a certas categorias.

Como cidadãos, devemos sempre respeitar e entender que os comportamentos tanto de homens quantos de mulheres são construídos pela sociedade e pelo convívio em grupo e, por sermos grupos sociais, interagimos e convivemos entre nós, sendo assim ser empático e buscar conhecer sobre diversidade de gênero é essencial na nossa formação como ser humano, mas, principalmente, é como vamos incluir e tratar amorosamente essas pessoas.

Referência:

Redação: Ana Carolina, Anna Beatriz de Sousa, César Cauã, Cristine Gleyser, Eline Fernanda, Elis Maisner, Evelin Cristine, Gabriel Maciel, Gabriela Gomes, Gabriela Madalena Marques, Hellen Vieira, Íris Cardoso, Julia Lourencini, Juliana Zambon, Leticia Rocha, Maria Carolina Guimarães, Raphael Oliveira, Ryana Gonçalves, Thiago Augusto Ferreira, Virgínia Liz, Sabryna Martins.

Revisão: Cristine Gleyser, Elis Maisner, Gabriela Madalena Marques, Ian Vitor Freitas, Jonathan Casarim, Raphael Sipriano.

Blog escrito pelas voluntárias e pelos voluntários do #tmjUNICEF, o programa de voluntariado digital do UNICEF. São adolescentes e jovens de todo o Brasil que participam de formações sobre direitos de crianças e adolescentes, mudanças climáticas, saúde mental e combate às fake news e à desinformação.

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