Com a globalização, tivemos um aumento significativo do contato entre as sociedades, e as fronteiras ficaram mais estreitas. Hoje, quem tem acesso às tecnologias pode falar com qualquer lado do mundo em apenas um clique. Nesse meio, as redes sociais surgiram como canais de conexão, unindo pessoas ao redor do globo, e tornando nossas conexões cada vez mais diversas, e criando um espaço para que todos pudessem falar sobre suas experiências. Mas alguns impactos negativos também surgiram nesses locais a partir do uso das plataformas. Um deles é que a lógica das plataformas funciona com base em algoritmos que escolhem por nós o que vamos ver, com base no nosso comportamento, diminuindo a diversidade de opiniões e criando filtros-bolha. Além disso, essa lógica acaba nos incentivando a reagir diante de posicionamentos extremos. E o resultado é que, quanto mais radical a opinião de alguém, mais interações, compartilhamentos (mesmo que por indignação). Certamente, essa lógica ajuda a espalhar discursos de ódio que tanto fazem mal para o desenvolvimento de adolescentes e jovens. Outro problema das redes é que, embora elas contribuam para ampliar o nosso repertório de conhecimento, temas muito complexos costumam ser tratados de maneira muito superficial, inclusive o tema da saúde mental. Como consequência, tem rolado uma verdadeira, e um deles que tem chamado atenção é a banalização das psicopatologias.
De acordo com a professora do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), da USP, Valéria Barbieri, a banalização dos transtornos mentais é “uma forma de apropriação pela população do conhecimento produzido a respeito deles”. Ao mesmo tempo em que o acesso à informação é muito positivo, alguns termos foram “perdendo” seus significados, porque estão sendo utilizados sem fontes confiáveis e sem contexto, e as experiências de quem sofre com algum transtorno passaram a ser vistas como características que todos temos, ignorando o quanto de dificuldade e sofrimento isso pode trazer.
Nesse meio enorme de informações, você já deve ter visto alguém dizendo que “Ai! eu sou tão organizada, com certeza tenho TOC (transtorno obsessivo compulsivo)”. Ou, ainda, alguém dizendo que tem “bipolaridade” para explicar por que muda de humor muito rápido; “depressão”, porque está em um dia ruim; ou “déficit de atenção”, porque não está conseguindo se concentrar naquele momento. Todos os exemplos citados são formas de banalizar as psicopatologias, porque consideram que momentos comuns, que todos vivemos, são parte dos transtornos e, frequentemente, são vistos na internet, especialmente na forma de memes. Esses comentários colaboram para a ideia muito complicada de que um transtorno é composto apenas de características isoladas, que muitas vezes nem são mesmo parte do diagnóstico, o que torna difícil notar a diferença, por exemplo, entre um transtorno de ansiedade e um momento de ansiedade antes de uma prova. Dessa maneira, é preciso ter muito cuidado e compreender que o autodiagnóstico é um caminho perigoso – seja você criança, jovem, adulto ou idoso.
Além disso, com as redes sociais, filmes e séries, a glamourização de certos transtornos tem sido cada vez mais frequente. Essa situação pode levar quem assiste a desenvolver comportamentos de risco, como a automedicação. É importante também lembrar que o compartilhamento de conteúdo distorcido por blogs e outros canais contribui para espalhar informações falsas e muito perigosas, como acontecia no Tumblr, por exemplo, onde transtornos alimentares eram romantizados, e comportamentos como automutilação eram comparados a formas de arte. Assim, é importante que os transtornos mentais sejam cada vez mais desmistificados e conhecidos, porém, com muita responsabilidade.
É essencial saber que o processo de descoberta de um transtorno leva tempo e pesquisa e deve ser feito com apoio de uma/um profissional de saúde. Mesmo nos transtornos que se apresentam desde a infância e que só foram descobertos na fase adulta, o autoconhecimento é muito importante no processo de descoberta de algum sofrimento psicológico e na busca por ajuda especializada. Identificar-se com a história de alguém que vive com um transtorno, ou com alguma característica apresentada nas redes sociais, pode até ser o início de uma pesquisa aprofundada, com profissionais sérios, mas não pode ser o ponto final de um diagnóstico tão complexo. Por isso, é tão importante lembrar que, em momentos de sofrimento, buscar auxílio especializado é sempre a melhor opção, e esses profissionais também possuem um grande papel em ajudar a conscientizar sobre o tema de forma responsável, com informações reais e acessíveis. Dessa maneira, a superação desse problema é uma construção de muitas mãos: atualização dos profissionais, para sempre promoverem o melhor atendimento, responsabilidade por parte dos criadores de conteúdo e também no processo de divulgação de informações sólidas e verdadeiras.
Texto e revisão:
Esther Pesquero Vasconcelos Pinheiro, Maria Luiza Pereira Fernandes, Stephan Lucas Sampaio de Matos, Rany Passos Ribeiro, Letícia Victoria Santos Rocha da Conceição, Bruna Maria Lima de Oliveira, Bárbara Gabrielly Silva Moreira, Cristine Gleyser e Iago do Prado Neves.