“Falar de justiça climática é falar de direitos humanos”

Confira a entrevista com a ativista climática Maria Eduarda Silva sobre sua participação na COP 27

#tmjUNICEF
22 dezembro 2022
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Foto mostra uma jovem em frente a um painel na COP 27 onde está escrito Children and Youth
Arquivo pessoal

Pensando na participação e no engajamento de meninas e meninos brasileiros na COP 27, o UNICEF, juntamente com a organização da sociedade civil Viração Educomunicação, levou três jovens ativistas ao Egito para representar a adolescência e juventude brasileira na conferência. Uma das ativistas, Maria Eduarda Silva, é uma jovem negra, de 19 anos, militante pelos direitos humanos e da natureza. Pernambucana, Maria Eduarda é representante do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher e Mobilizadora do Núcleo de Cidadania de Adolescentes (Nuca) em sua cidade, Bonito (PE), que é conhecida pelo ecoturismo. Ela atua na mobilização de adolescentes e jovens de várias regiões de seu estado e conta para a gente como foi sua ida à COP.

#tmjUNICEF: Como foi para você participar da COP 27 como ativista?

Maria Eduarda: Para mim foi uma oportunidade única, eu acho que, para todos os ativistas, poder participar da COP é algo muito incrível, porque a gente pode ter contato com pessoas do mundo inteiro que estão debatendo sobre o mesmo assunto. E por mais distante que sejam os países, a gente para pra observar que as realidades são muito parecidas. Principalmente as pessoas que estão vulneráveis aos maiores efeitos das mudanças climáticas. Então, foi incrível poder escutar a fala de diversas pessoas que estão lutando por isso [contra as mudanças climáticas].


#tmjUNICEF: Você acha que a sociedade civil tem o espaço que deveria ter na "mesa" de discussão?

Maria Eduarda: Não, eu não acho. Inclusive, acredito que temos que lutar muito para poder ocupar esse espaço de discussão, porque a sociedade civil não tem acesso. São poucas as pessoas que têm acesso, de fato, a essas discussões e precisamos ocupar esse espaço, porque é a sociedade que sofre os impactos. Eu acho que crianças, adolescentes e jovens deveriam estar ocupando esse espaço, porque eles com certeza serão os mais afetados.


#tmjUNICEF: A gente sabe que o tema da justiça climática tem estado muito em voga. O que você tem a dizer sobre esse assunto, pensando na sua trajetória como militante jovem e negra, vindo de uma cidade que é conhecida pelo ecoturismo?

Maria Eduarda: Eu luto pela justiça climática há muito tempo, eu acredito que todos deveriam ter acesso ao nosso bem maior: a nossa natureza. Quando eu falo de justiça climática, para mim, é falar de direitos humanos, porque a gente sabe que as mudanças climáticas afetam os mais vulneráveis. Porque, caso aconteça uma enchente, é a pessoa pobre e periférica que vai sofrer e que vai perder a sua casa. Então, a gente precisa falar sobre justiça climática visando principalmente aos direitos humanos e aos direitos da criança e do adolescente. E precisamos levar em consideração que, segundo um dado do UNICEF, 40 milhões de crianças e adolescentes estão suscetíveis aos maiores impactos das mudanças climáticas.

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“Quando lutamos por justiça climática, lutamos pelo direito de todos e precisamos de pessoas no governo que queiram fazer por todos”

A gente precisa de justiça e, para que essa justiça aconteça, é necessária a efetivação das políticas públicas, não só no meu município, mas em todos os lugares. No meu município existem bairros que são mais vulneráveis e é fundamental observar isso com um olhar mais delicado. Observar que só porque eu estou melhor do que o outro não significa que eu não deva pensar no outro. Isso tem muito a ver também com empatia, né?

Quando se fala em ecoturismo, a minha cidade está tão suscetível quanto qualquer outra aos impactos das mudanças climáticas. É visível isso ao longo do tempo, inclusive durante a Copa, na primeira semana houve fortes chuvas na minha cidade e ela ficou toda alagada. As pessoas ficaram com medo, principalmente porque houve princípios de tornado. Você imagina uma cidade no interior do Nordeste do Brasil tendo um princípio de tornado?! Então, é importante observar e pensar o que é preciso para cuidar o mais rápido possível [do meio ambiente].

#tmjUNICEF: Como é voltar da COP, esse espaço de tomada de decisão, para a sua região e para o seu trabalho como mobilizadora? O que você traz de aprendizado e de percepção do desafio que é combater as mudanças climáticas?

Maria Eduarda: A gente volta com esperança, né? E com um olhar diferente. Principalmente quando eu olho minha região, eu vejo que, por mais que muitos conheçam [o lugar] onde vivem, não sabem, por exemplo, a quantidade de espécies [que existem na região] ou que tipo de vegetação permanece ali. E isso é muito importante. Eu voltei com diversas ideias da COP de coisas que nós podemos implementar. Principalmente, enquanto eu estava no Pavilhão da Juventude, eu sempre tinha muitas chuvas de ideias – por ser um lugar muito colorido, inspirava essa criatividade para desenvolver projetos para o meu município, para todo o estado de Pernambuco e para os outros estados do Brasil.

Eu acho que nós precisamos carregar os jovens e começar a transformar, tendo a ciência de que, para mudar o grande, nós precisamos mudar o pequeno. Então, nós precisamos começar do pouco, e, como uma das jovens do meu município, é meu papel e meu dever conscientizar cada vez mais esses jovens para que eles compartilhem esse conhecimento. Porque, quando um jovem aprende, ele não guarda para si mesmo, ele vai chegar em casa, vai falar o que aprendeu e passar essas informações adiante. Quando nos comunicamos sobre determinados assuntos, nós temos sementes. Nós [ativistas] estamos plantando sementinhas em cada pessoa para quem a gente dissemina essa informação.

Eu volto com a esperança de um lugar novo, de uma vivência nova. Eu acho bonito o esperançar, sabe? Nós temos pouco tempo e sabemos que a juventude tem um poder muito forte para que as mudanças climáticas diminuam; para que os efeitos não sejam tão drásticos como estão sendo, porque pode piorar. Então, poder trabalhar como mobilizadora é olhar no olho de cada um, cada vez que eu os vejo, e perceber que estamos plantando sementes e transbordando o esperançar.

Eu sempre trouxe a fala sobre mudanças climáticas para o lado dos direitos humanos e escutar a primeira-ministra de Barbados [Mia Mottley] me confirmou, ainda mais, que eu realmente amo o que faço e que é o certo pra sociedade. Lá, falou-se muito em educação climática e a educação é a base de transformação do mundo. A partir do momento que nós educamos de forma consciente, nós estamos mudando o mundo. Nós somos os agentes do agora, então vamos transformar o agora. Nós precisamos ensinar a cada criança, a cada adolescente o que é a educação climática e mostrar o quanto ela é importante para a existência do ser humano aqui na terra, porque nós somos extensão da natureza.


#tmjUNICEF: Você, com 19 anos, é muito jovem. O que você pensa sobre a necessidade de engajamento dos jovens para frear as mudanças climáticas?

Maria Eduarda: Eu estudo mudanças climáticas e meio ambiente desde os meus quinze anos. Eu cresci num sítio e sempre tive esse contato muito forte com a natureza. Eu acho que a juventude tem um papel fundamental para frear as mudanças climáticas, porque o jovem é agente do agora. Nós [jovens] temos muitas ideias e não temos preguiça de executar as ações. Então, nós somos a conscientização que o mundo precisa. Se os governos parassem pra nos escutar, teríamos a solução de muitos problemas, não só envolvendo as mudanças climáticas, mas também os direitos humanos.

Sempre existirá jovens ativistas fazendo algo no seu local e nós precisamos que os governos os enxerguem como tal sujeito, sabe? Como sujeito de direito, sujeito de ação e de transformação na sociedade.

“As pessoas costumam falar que nós somos o amanhã, e não é verdade. Nós temos que mudar essa percepção. Nós somos o agora. Nós somos os agentes do agora.”

Porque nós precisamos transformar o hoje, para que amanhã essas crianças que estão aí consigam, ao menos, tentar desfrutar do que nós desfrutamos enquanto crianças.

Então, nós [jovens] temos um papel fundamental na sociedade, nós só precisamos ser escutados. E precisamos cada vez mais de jovens que se unam em coletivos e em ONGs para transformar o mundo. A gente vai ensinando, fazendo trabalho de formiguinha. Eu acho que, às vezes, os jovens não se engajam porque não se sentem parte. E, a partir do momento que mostramos que eles são parte da sociedade, que são sujeitos de direito e que podem tomar decisões, nós observamos que eles começam a agir. Então, o segredo para engajar os jovens é fazer com eles sejam escutados. Jovem é luz, jovem é cor e o mundo tem que ser colorido. O mundo tem que ser alegre e a juventude tem isso para mostrar.


Quer saber mais sobre a participação dos jovens na COP 27? Ouça uma entrevista com Tainara Kambeba e Victor Gato em https://spoti.fi/3v9T3Bp ou em seu serviço de streaming favorito.

* Escrito por: Vanessa Braga C. de Oliveira e Sarah de Jesus Silva dos Santos
Entrevista por: Júlia Saint Martin
Revisado por: Júlia Saint Martin e Vitoria dos Santos Turquenitch

Blog escrito pelas voluntárias e pelos voluntários do #tmjUNICEF, o programa de voluntariado digital do UNICEF. São adolescentes e jovens de todo o Brasil que participam de formações sobre direitos de crianças e adolescentes, mudanças climáticas, saúde mental e combate às fake news e à desinformação.

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