Fake news, redes sociais e saúde mental

A potencialização do autodiagnóstico e como isso afeta as crianças e os adolescentes que estão cronicamente online

#tmjUNICEF
20 setembro 2023

Você já deve ter escutado em alguma plataforma a descrição de doenças e, por certo, teve certeza de estar doente em menos de um minuto. Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), depressão, bipolaridade, borderline ou a suspeita de ter uma mãe narcisista nunca foram tão simples e rápidos de ser identificados e diagnosticados.

A era digital trouxe inovações e facilidades para todos nós, mas também novos desafios, especialmente para a geração que cresce cronicamente online. Entre esses desafios está a disseminação das fake news (notícias falsas), que, em combinação com a popularidade das redes sociais, possuem grande potencial de afetar a saúde mental das crianças e dos adolescentes.

Recentemente, pesquisadores da Universidade de Minnesota investigaram a influência da rede social TikTok na saúde mental de seus usuários. Seus achados revelaram uma dualidade interessante: a plataforma pode ser tanto um refúgio, oferecendo um senso de comunidade e autodescoberta, quanto um obstáculo, amplificado por algoritmos que limitam a diversidade de conteúdos e, por vezes, reforçam padrões nocivos.

A verdade é que as redes sociais se tornaram tão intrínsecas ao nosso cotidiano que raramente avaliamos seus impactos. Está claro que, à medida que proporcionam a sensação de conexão, podem ocasionar, também, sentimentos de inadequação, ansiedade e isolamento.

Com o avanço tecnológico, a informação passou a ser transmitida e acessada em todo o mundo. Porém, essas informações demandam certo nível de criticidade e discernimento por parte de quem as lê.

Por facilitar o acesso a diversos assuntos, a internet deu maior visibilidade aos problemas de saúde mental, e, consequentemente, tornou-se um ótimo meio para a conscientização a respeito delas. No entanto, essa grande influência contribuiu negativamente para o aumento do autodiagnóstico entre os jovens e a consequente banalização dos problemas psicológicos. Segundo a neuropsicóloga Camila Monti, transtornos de ansiedade, depressão, autismo e TDAH têm ganhado cada vez mais atenção nas redes sociais e são tratados como uma trend (tendência).

O autodiagnóstico baseia-se na realização de pesquisas rápidas e superficiais à procura de possíveis sintomas, com a finalidade de se automedicar, buscar alguma resposta ou entendimento sem antes consultar um profissional. Essa atitude, além de ser um grande perigo para a própria saúde, trivializa o trabalho dos profissionais da área, uma vez que realizar um diagnóstico é algo que requer um longo período de acompanhamento do paciente. Assim sendo, a constante disseminação nas redes sociais, de posts ou vídeos superficiais sobre doenças e seus respectivos sintomas, além de fomentar a banalização, conforme aponta Monti: “se a maioria das pessoas se identifica com um transtorno, ele vira uma coisa banal, que dispensa tratamento”, prejudicando o real objetivo que é a conscientização sobre as doenças e a posterior busca por profissionais capacitados.

Conforme o exposto, a banalização das doenças culmina em uma nova problemática: a automedicação. De acordo com uma pesquisa disponibilizada no site da SciELO (Biblioteca Eletrônica Científica Online), o Brasil aparece em primeiro lugar no ranking de países que mais se automedicam. Um segundo levantamento apresentado pelo Jornal Nacional mostrou que aproximadamente 90% da população com mais de 16 anos já se automedicou em algum momento de sua vida. A psiquiatra brasileira Jéssica Martani defende que o autodiagnóstico e o automedicamento podem ser ineficazes, e até mesmo prejudiciais, chegando a atrasar a busca por um tratamento adequado, quando realmente necessário.

Ademais, o autodiagnóstico dificulta o trabalho dos especialistas da área. Isso porque, cada vez mais, crianças e adolescentes chegam a consultórios apenas para entender a doença que já acreditam ter com conceitos já estabelecidos e que muitas vezes podem ser errados. Larry D. Mitnaul, psiquiatra infantil e adolescente em Wichita no Kansas, fundador e CEO da empresa de coaching de bem-estar Be Well Academy, afirma que “os adolescentes estão entrando em nosso escritório com opiniões já muito fortes sobre seu próprio diagnóstico”.

Em entrevista concedida à CNN, Erin Coleman falou que sua filha, de apenas 14 anos, se autodiagnosticou com TDAH, depressão, autismo, misofobia (medo extremo de sujeira e germes) e agorafobia (medo de sair de casa). Contudo, ao passar por especialistas, o diagnóstico foi de ansiedade severa. Ainda assim, Coleman revelou que sua filha nem sempre acha que os especialistas estão corretos.

Em geral, a internet trouxe maior visibilidade para questões sobre problemas psicológicos, mas, em contrapartida, disseminou informações inverídicas e muito superficiais sobre este assunto, levando crianças e adolescentes à crença de que possuem determinadas doenças. Por esse motivo, é extremamente importante filtrar as informações lidas. Algumas dicas para fazer isso são: verificar sempre a fonte e garantir que a informação é proveniente de estudos formais sobre o tema e buscar perspectivas diferentes, isto é, não se basear em apenas uma postagem ou opinião e, acima de tudo, buscar o apoio de um profissional.

Para concluir, antes que os produtores de conteúdo sobre saúde mental, nas plataformas sociais, sejam colocados sob uma luz negativa e desrespeitosa, é válido dizer que, se o conteúdo é abordado com responsabilidade, respaldo científico e apresenta opiniões de médicos psiquiatras e/ou psicólogos, o resultado principal não deverá consistir em autodiagnóstico ou automedicação, mas sim o de guiar e reforçar ao público a importância de procurar ajuda profissional em vez de produzir uma lista com simples sintomas.

Portanto, é necessário sair das abas “linha do tempo’’ e “para você” presentes nas redes sociais e buscar, caso seja necessário, ajuda profissional de qualidade – que pode ser encontrada em todo o Brasil por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Dessa maneira, torna-se imprescindível, primeiramente, compreender o que acontece dentro de nós para que possamos ter uma melhor qualidade de vida, e isso só será possível se as individualidades de cada ser, como gênero, raça, cultura, classe social, religião, problemas pessoais e histórico médico, forem abordadas e manejadas como detalhes importantes, para que, assim, possamos construir indivíduos e uma sociedade baseados na humanidade, no cuidado e na empatia, deixando um legado que possa ultrapassar gerações e, consequentemente, durar mais do que míseros 60 segundos.

1. Pesquisa: Ana Letícia Pires Bastos, Danielle Silva Cavalcante, Lívia Maria de Oliveira, Laís Helena Pacheco Silva, Laura Heloísa Ferreira dos Santos, Giovanna Mendes Belchior

2. Apuração: Ester de Aguiar, Eduardo Dornelas de Castro, Fernanda Clair Fonseca da Silva, Paula Natsumi Vasconcelos Iamassita

3. Escrita: Gleisla Thais Mendes, Mariana Oliveira de Sá, Maria Isabella Dias Magalhães, Anna Luiza Costa de Carvalho Silva e Júlia Santos Gomes

4. Revisão: Renata de Mello, Gabriella Serrano, Victória Araújo Viana, Bárbara França, Alessandra Giovana Moser, Melissa Martins, Rebeca Fernandes Seti

Blog escrito pelas voluntárias e pelos voluntários do #tmjUNICEF, o programa de voluntariado digital do UNICEF. São adolescentes e jovens de todo o Brasil que participam de formações sobre direitos de crianças e adolescentes, mudanças climáticas, saúde mental e combate às fake news e à desinformação.

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