A dimensão da internet vem alcançando novas frentes a cada década, o que proporciona um notável avanço tecnológico no cotidiano da vida humana. Mas será que tal avanço tecnológico - utilizado agora não somente para estudo, trabalho e pesquisas, como também para relações interpessoais - pode ser associado à uma boa convivência social? É o que veremos a seguir.
Na luta constante para defender os direitos das crianças e dos adolescentes, a sociedade encara um obstáculo na concretização desse objetivo: o bullying, definido como uma forma de violência que é caracterizada pela humilhação e perseguição no âmbito social, como em escolas, parques, condomínio e até na zona familiar. Nessa lógica, a internet pode ser propícia, com inúmeras ferramentas nas redes: seja por meio de perfis anônimos, pela falta da identificação real dos usuários e, consequentemente, pela falta de atribuição de responsabilidade pelo seu uso, que inclui comentários, conversas on-line e compartilhamento de imagens. Desse modo, as formas da prática do bullying são ampliadas para o meio digital, sendo definido como cyberbullying.
Você sabe o que é cyberbullying?
O cyberbullying é um tipo de bullying praticado em espaços virtuais, tendo uma alta frequência nas redes sociais. Segundo a pesquisa realizada em 2022 pela McAfee Corp, 22% das crianças e adolescentes brasileiros admitiram já ter feito cyberbullying com alguém conhecido – número que se assemelha à média global, que é de 21%. Comentários, postagens, imagens ou outras práticas podem levar crianças e adolescentes a recorrerem ao tratamento psicológico ou psiquiátrico.
Apesar de a internet ter aproximado cada vez mais as pessoas, de um modo que possibilitou o acesso fácil às informações e a rapidez na comunicação, ela também gerou um cenário frágil e propício para a propagação de notícias falsas e de crimes que ferem a dignidade do ser humano. Cabe a uma rede de apoio - pais, familiares, amigos, professores - observar maneiras de abordar esse tema com os jovens.
Dicas de como abordar o assunto com crianças e adolescentes
- Cuidado contínuo por parte dos pais e da escola;
- Adoção efetiva da política pública prevista na Lei 13.185/15, que criminaliza a prática do bullying, e de uma legislação específica para o mundo virtual;
- Conscientização dos jovens sobre as consequências do bullying/cyberbullying, e incentivo às vítimas para que denunciem esses casos;
- Liberdade assistida de modo a prevenir sem prejudicar o livre desenvolvimento da personalidade dos jovens.
Incentivo à comunicação não violenta
A Comunicação Não Violenta (CNV) é uma abordagem desenvolvida pelo psicólogo americano Marshall Rosenberg com o objetivo de promover relações de respeito e empatia entre os cidadãos que vivem na sociedade. Por meio dela, busca-se alcançar a compreensão mútua, independentemente das diferentes opiniões, garantindo o respeito nas relações sociais, sejam elas presenciais ou virtuais. No contexto do cyberbullying, a comunicação não violenta se configura como uma forma de prevenção e de combate aos ataques pessoais por meio de agressões verbais, morais e psicológicas. Isso se dá pela promoção de diálogos e construção de relações saudáveis, utilizando a escuta ativa e a compreensão mútua.
Lei x Cyberbullying
Embora ainda não tenhamos uma lei específica que trate exclusivamente do cyberbullying e crimes virtuais, alguns dispositivos jurídicos caminham para regularizar e lutar contra a “internet sem lei” ou “terra de ninguém”.
Um exemplo recente que tivemos foi a Lei Federal 14.811/24, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em janeiro de 2024. O dispositivo estabelece medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência e estabelece em seu conteúdo o conceito de Bullying e Cyberbullying:
Intimidação sistemática (bullying)
Art. 146-A. Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais. Pena - multa, se a conduta não constituir crime mais grave.
Intimidação sistemática virtual (cyberbullying)
Parágrafo único. Se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real. Pena - reclusão, de 2 (dois) anos a 4 (quatro) anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave.
Ainda são classificados estes delitos como hediondos (crimes inafiançáveis e impossibilitados de receber perdão).
Bullying e saúde mental
Você pode ver o título e pensar: mas o que uma coisa tem a ver com a outra? Pois é, o Brasil está entre os líderes mundiais no uso da internet e das interações por meio das redes sociais. São 181,8 milhões de pessoas (84% da população) conectadas diariamente à rede mundial de computadores, numa média de oito horas por dia. Nesse universo, 152,4 milhões (70%) possuem conta em alguma rede social, conforme dados de 2023 da DataReportal.
Sabia que uma em cada cinco crianças pensa em suicídio após sofrer bullying? Em diversos casos, crianças relatam falta de sono e ansiedade após os ataques, prejudicando fortemente o desempenho na escola e também abalando as capacidades de socialização, devido às intimidações sofridas nas escolas. Na maioria das vezes, os pais não têm a mínima ideia do que está acontecendo na vida escolar de seus filhos e, assim, essas práticas continuam sendo perpetuadas, podendo ocasionar em evasão escolar por parte dessas crianças vítimas.
O crime de cyberbullying e como erradicá-lo
Para que possamos acabar com os efeitos da violência virtual, é necessário que eduquemos nossas crianças e adolescentes nas escolas para que elas tenham conhecimento não só sobre o impacto do cyberbullying, mas também sobre a existência de leis protetivas para os que são afetados por ele, a importância de crianças e jovens vítimas denunciarem casos de violência na internet e claro, não praticá-los.
Os pais e responsáveis também possuem um papel importante na prevenção desses comportamentos. Eles devem estar atentos a quaisquer sinais de que uma criança ou adolescente está sofrendo cyberbullying e tomar as providências necessárias a fim de colocar um fim à violência sofrida e, principalmente, oferecer o apoio emocional e psicológico necessário.
Como faço para me proteger do cyberbullying?
Mas… O que fazer para se prevenir contra esse tipo de prática e, caso você seja ou identifique uma vítima, como prosseguir?
- Evite falar com estranhos: o contato com pessoas que não conhecemos nas redes sociais pode ser perigoso, então, nada de compartilhar informações pessoais nesses ambientes, combinado?
- Seja consciente e tenha moderação: devemos usar a internet com consciência. Essa medida não apenas nos previne do cyberbullying, mas auxilia em uma boa saúde mental.
- Está em perigo? Fale!: o apoio emocional é fundamental, então, em caso de cyberbullying, não se cale. Se você ou algum amigo(a) está passando por isso, não tenha vergonha de pedir ajuda e lutar contra essa prática!
- Leis existem: as crianças e os adolescentes têm seus direitos garantidos constitucionalmente e os crimes virtuais não devem ficar impunes. Denuncie!
Pesquisa: Debora de Melo Xavier; Paula Natsumi Vasconcelos Iamassita, Julia Leal, Ana Fernandes e Yasmim Diniz Andrade.
Apuração: Paula Natsumi Vasconcelos Iamassita, Julia Leal, Ana Fernandes e Larissa Mendonça Wanzeler.
Redação: Gleisla Thais Mendes, Jéssica Hellen, Duda Ribeiro, Priscila Buares, Paula Frony, Yasmin Stefanny, Brenda Liliane, Ingrid Rozado Bezerra, Roberta Truta, Thamires Freitas e Victoria Damiana.
Revisão: Jakeline Barra Nascimento, Maria Eduarda Castilho Reis, Mariana Oliveira Costa, Amanda Mascarenhas, Valentina Gallio Muraro, Gabrielle Pereira, Danielle Silva Cavalcante, Beatriz Rebêlo de Santiago, Júlia Callipo, Victória Araújo Viana, Deborah Vitoria, Vitória Jatobá e Natália Midori.
Coordenadoras do texto: Shara Ingrid e Maria Luiza Azevedo.
Referências
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